Ceará põe cientistas em órgãos públicos atrás de soluções em áreas como educação e segurança
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Cientistas de diversas áreas do conhecimento, como educação e engenharia, estão liderando projetos em secretarias e outros órgãos do Ceará para atuar em desafios do estado, que vão desde melhorar o desempenho dos alunos no ensino médio até combater os efeitos da seca na população.
No programa, denominado Cientista Chefe, pesquisadores usam do conhecimento acadêmico com o objetivo de contribuir em soluções práticas para demandas públicas. Hoje, 20 professores, todos vinculados a universidades cearenses, atuam em 20 órgãos estaduais, das secretarias ao Tribunal de Contas.
"Precisamos identificar o problema que, com a ajuda de cientistas, pode ser solucionado ou pelo menos transformado. O propósito é fazer entregas concretas que ajudem a resolver desafios dos órgãos demandantes", afirma Jorge Soares, diretor de inovação da Funcap (Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico), instituição que gere o programa.
De acordo com Soares, os pesquisadores recebem uma bolsa de R$ 8.000 e o investimento nos projetos gira em torno de R$ 1 milhão.
O Cientista Chefe foi iniciado em 2018, quando uma equipe de computação da UFC (Universidade Federal do Ceará), chefiada por um docente da instituição, elaborou ferramentas de tecnologia para a Secretaria de Segurança Pública. Eles buscavam modernizar a pasta com a estruturação de bancos de dados e a criação de diversas ferramentas.
Uma das soluções foi um mapa do estado que oferecia informações sobre os locais com maior número de delitos. Eles desenvolveram ainda um aplicativo que atualiza os policiais sobre a incidência de crimes e permite identificar pessoas por reconhecimento facial.
Depois dessa primeira iniciativa, o programa foi ampliado para outros órgãos do estado. Cada secretaria pode ter mais de um projeto, elaborado a partir de uma demanda do setor em conjunto com a equipe técnica da secretaria e os pesquisadores.
Os professores são selecionados pela Funcap com base na afinidade com a área e em indicadores ligados à produção científica, como a orientação de alunos e bolsas recebidas pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
"Não tem um edital, porque só ganhariam grupos que sabem escrever bem e a proposta seria separada da secretaria. Isso é o que a gente não quer. Precisamos do pesquisador criando o projeto junto com o Estado", afirma Soares, da Funcap, que também é docente de engenharia na UFC.
Um dos selecionados foi Jorge Lira, professor de matemática na mesma universidade, que hoje é cientista chefe na Secretaria de Educação. Ele ajudou a construir um programa para melhorar o aprendizado dos alunos do ensino médio.
Os pesquisadores, com a equipe técnica da pasta, fizeram uma avaliação geral a partir dos dados educacionais do estado para entender o desempenho dos estudantes em matemática.
"Percebemos que os alunos ingressavam na 1ª série com lacunas imensas de conhecimento básico, algo que não era explorado. Observamos com cuidado as falhas desses estudantes e, a partir disso, tomamos decisões", afirma.
A equipe criou um novo currículo, que prevê revisão de conteúdo de anos anteriores para alunos do ensino médio, com o objetivo de facilitar a transição de uma etapa a outra. Além disso, implementaram quatro avaliações por ano para verificar se o método tem funcionado com os estudantes.
O projeto também gerou um programa de formação para professores de matemática. Eles são ensinados, por exemplo, a observar melhor os erros dos alunos e a quando devem intervir para melhorar a aprendizagem.
Outro resultado, esse da Secretaria de Recursos Hídricos, foi a Política Estadual de Gestão Proativa de Secas, lançada em dezembro de 2022. A equipe fez um plano de ação com atribuições para diferentes órgãos do estado, visando reduzir o impacto das secas em áreas mais vulneráveis.
No meio ambiente, um projeto voltado à conservação da fauna cearense identifica espécies ameaçadas, elabora um planejamento costeiro e marinho e faz diferentes pesquisas para manter as espécies cearenses. Uma delas, de cientistas da UECE (Universidade Estadual do Ceará), pretende criar clones de veados-catingueiros para evitar a extinção do animal.
Segundo Jorge Soares, da Funcap, outros estados, como Tocantins e Pernambuco, buscam adotar o modelo inspirado no Ceará.
Antonio Oliveira, professor de administração da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), afirma que iniciativas como essa já existem em outros países. Além disso, existem as cátedras em universidades pelo Brasil, quando há colaboração entre a academia e a gestão pública.
O programa Cientista Chefe, no entanto, traz uma inovação por ampliar a presença dos pesquisadores para diferentes secretarias, além de trazer um responsável específico para cada área da gestão, de acordo com Oliveira.
Ele diz que trazer professores das instituições de ensino superior é uma vantagem por levar à administração pública um domínio maior sobre como solucionar aquele desafio, sobretudo em relação a metodologias de pesquisa.