Casarões abandonados de Alto de Pinheiros, em São Paulo, viram criadouros do mosquito da dengue
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Dos bairros de classe alta na cidade de São Paulo, o Alto de Pinheiros, na zona oeste, é o que possui maior incidência de dengue: 47,3, segundo o último boletim epidemiológico da Secretaria Municipal da Saúde, que traz os números até 30 de janeiro.
O motivo do crescimento da doença pode estar nos casarões vazios à venda na região, de acordo com a SAAP (Associação dos Amigos de Alto de Pinheiros).
Nesta quinta-feira (8), a Folha circulou por várias ruas na região. Duas casas à venda na rua Pedralva foram alguns exemplos de descaso encontrados.
As residências estavam com as portas abertas para a visitação e qualquer pessoa podia entrar. A reportagem encontrou piscinas imundas, muitas folhas de árvores caídas no chão e na água. Em uma das casas havia pratos com água parada, ou seja, locais propícios para a formação de criadouros do mosquito Aedes aegypti.
Segundo Evaldo Stanislau de Araújo, infectologista do Hospital das Clínicas de São Paulo, o Aedes aegypti está adaptado ao ambiente e se desenvolve em qualquer tipo de água. Outra questão é que o mosquito também cresce em folhas de plantas, de acordo com o especialista. "Imagine as folhas que têm o formato de cunha. Choveu, pronto. Ali é um ponto de criação do mosquito."
"Nós precisamos muito que essas casas sejam fiscalizadas. O Alto de Pinheiros está repleto de casas para vender e alugar. E estamos falando de mansões com piscina. Essas mansões não estão tendo o cuidado que deveria. Acreditamos que essa seja mais uma razão para tantos mosquitos na região", afirma Milene Braga, diretora da SAAP.
Ela também administra um condomínio no bairro onde 12 pessoas contraíram dengue. Segundo Braga, a prefeitura esteve no local, passou inseticida, mas não resolveu o problema.
"Pedimos ajuda novamente a eles, porque é surreal o número de mosquitos. Aumenta dia após dia. A nossa equipe de jardinagem passa nos blocos e vistoria os vasos. Também olhamos as caixas d'água. O que temos falado com os outros síndicos é que todos policiem as áreas comuns e encham os moradores de comunicados para que todos façam a mesma coisa e prestem atenção em água parada em vasos e caixas d'água", conta Milene Braga.
Evaldo Stanislau explica que os ovos do Aedes aegypti são muito resistentes aos ambientes. Quando aumenta a temperatura e existe umidade, eles eclodem. "O mosquito voa em todas as direções num diâmetro de 500 metros. Se nesse espaço ele não encontrar nenhum local adequado para colocar os seus ovos, não terá geração futura. Do contrário, se encontrar, vai expandindo a sua área de atuação de 500 em 500 metros", explica.
"Em outra situação, você pega uma pessoa que trabalha no Alto de Pinheiros e reside na zona sul. Suponha que na zona sul ela foi picada, pegou dengue e está assintomática. Vem para o Alto de Pinheiros. O mosquito que picá-la em Alto de Pinheiros vai passar dengue e expandir", conclui.
No dia 7 de fevereiro, Braga acionou novamente a prefeitura para voltar ao bairro e verificar as mansões vazias. O órgão deu prazo de 48 horas.
A Secretaria Municipal da Saúde disse, em nota, que a Uvis (Unidade de Vigilância em Saúde) Lapa/Pinheiros realizou a aplicação de nebulização veicular (fumacê) na avenida Diógenes Ribeiro de Lima no dia 19 de janeiro. Em relação à rua Pedralva, nos próximos dias ocorrerá ação de bloqueio casa a casa e nebulização.
A reportagem entrou em contato com a Local Imóveis, responsável pelas casas à venda. A imobiliária não comentou a situação encontrada, mas colocou o proprietário de uma das mansões em contato. Por telefone, José Campos negou a falta de limpeza na piscina.
"Estou a par da situação no Alto de Pinheiros e acho que as autoridades deveriam tomar as providências necessárias. Aquela piscina é mantida por nós há anos com visitas de piscineiros, sempre o mesmo, três vezes por semana. O que suja um pouco a piscina são as folhas daquela árvore que está lá do outro lado do muro. A prefeitura não permite cortar uma árvore em São Paulo", afirma Campos.
"A senhora é técnica para saber isso? A senhora mediu a água, qualquer coisa do gênero? Não deve ser lá na minha casa, a senhora deve estar fazendo alguma confusão", disse quando a reportagem insistiu no estado em que a piscina foi encontrada.
Para o advogado Alex Nozaki, especialista em direito condominial e imobiliário, neste caso, a responsabilidade do imóvel é do proprietário, mas a imobiliária deve avisá-lo sobre as condições do local e possíveis focos de dengue. Se não o faz, pode ser responsabilizada.
"Eu entendo que a imobiliária pode ter culpa concorrente [quando o comportamento contribui para um evento danoso] se ela constata a situação diariamente e não toma a providência de avisar o dono", explica.
"Não adianta você cuidar da sua casa se o seu vizinho ou duas casas para frente não respeita isso. O combate para ser efetivo é literalmente casa a casa, espaço a espaço, por causa dessa lógica de expansão do mosquito. Por isso que é uma negligência muito grande da prefeitura. As prefeituras devem atuar em 100% do território porque ficar fazendo campanha para as pessoas cuidarem da sua casa e abandonar as áreas públicas ou ambientes abandonados, fechados, ainda que privados, é uma negligência do poder público", finaliza Araújo.