Periferia de São Paulo concentra casos de estupro, e centro da cidade, roubos

Por LUCAS LACERDA E RUBENS ALENCAR

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A população de São Paulo viu os registros de furtos baterem recorde na capital em 2023, enquanto os de estupro chegaram à segunda maior marca desde 2002, com 3.037 casos. Por outro lado, o número de vítimas de homicídios dolosos, quando há intenção de matar, diminuiu 11,5% no ano passado (516) na comparação com 2022, o que também aconteceu com os latrocínios, roubos seguidos de morte.

Esses dados, porém, distribuem-se de forma distinta pela cidade de 11,5 milhões de habitantes.

Observa-se, por exemplo, a concentração de roubos e furtos ?sem contar os de veículos? em DPs como Sé e Campos Elíseos. Essas unidades ficam abrigadas sob a 1ª Delegacia Seccional de Polícia, na região central paulistana, que recebe um alto fluxo de pessoas durante o dia.

Já os roubos e furtos de veículos, segundo o pesquisador Guaracy Mingardi, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, dependem de locais com rotas de fuga e horários mais propícios para isso, no caso dos assaltos. "Tem que haver relativa privacidade, ser à noite e ter rota de fuga."

Os casos de roubo de veículos se concentram na 6ª seccional, que abrange áreas da zona sul como Capão Redondo, Cidade Ademar, Santo Amaro e Parelheiros, com 3.491 casos, e os de furto, na 5ª seccional, que reúne parte dos distritos policiais da zona leste, como Tatuapé e Vila Matilde, com 7.913 ocorrências.

As finalidades mais comuns desses crimes, de acordo com o pesquisador, são o desmanche, o uso por um determinado período de tempo (para rachas ou prática de roubos) ou a criação de um veículo "dublê".

No ano passado, de 14.983 casos de roubo e 40.519 de furto na capital, as forças de segurança recuperaram 17.615 veículos. De acordo com a SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo, os números de roubos e furtos caíram, respectivamente, 9,1% e 2,6% na cidade, na comparação de 2023 com 2022.

Os furtos e roubos, na avaliação de Mingardi, não podem depender apenas de ações de patrulhamento e presença policial baseados nos indicadores, que ajudam, mas são limitados. "A mancha criminal existe, ok. Mas pensando no primeiro e no terceiro distrito policial, é possível ter um policial em cada esquina? Não. O ladrão corre para a outra. Isso é crime profissional."

O pesquisador defende a investigação de receptadores de roubo, para dificultar o fluxo do dinheiro pela cadeia criminosa, mas aponta a necessidade de recomposição de quadros da Polícia Civil. "Crime contra patrimônio se investiga com banco de dados e informante. Para formar um policial após o concurso é coisa de um ano, e mais dois ou três para ele ter uma rede de informantes."

A SSP diz que a região central da cidade teve redução de 7,9% nos crimes de roubo e de 0,4% nas ocorrências de furto na comparação de 2023 com 2022. Ainda, diz que prendeu 6.553 pessoas no ano passado, 25,9% a mais do que em 2022.

A pasta também cita as operações AC35 ?voltada para a intervenção policial em cenas abertas de uso de drogas como a cracolândia? e Resgate. As ações, segundo a SSP, visam ao combate do tráfico de drogas e à captura de foragidos. Nelas, foram presas mais de 1.200 pessoas desde o ano passado.

A secretaria também cita como ação para o centro a inauguração, em 1º de fevereiro, de uma companhia de Força Tática do 7º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano, na rua Vitória, na República, além do reforço de 120 agentes na região e a previsão de mais 2.000 policiais.

HOMICÍDIOS E ESTUPROS

A 6ª seccional, que cobre parte da zona sul da capital, concentra um quinto das vítimas de homicídio de 2023, com 118 mortes.

Para Mingardi, isso se deve a dificuldades em manter patrulhamento nessas regiões, que também têm espaços mais ermos, com menos testemunhas para as mortes.

A maior quantidade de registros de estupro também está na região da 6ª seccional, com 663 ocorrências. Em segundo lugar, a 7ª seccional, que abrange Itaim Paulista, Cidade A. E. Carvalho e Vila Jacuí, na zona leste, acumula 493 registros.

Grande parte desses registros é de casos de estupro de vulnerável, quando a vítima tem menos de 14 anos ou é acometida por enfermidade, deficiência intelectual ou não tem meios de resistir, e acontecem em ambiente familiar, o que dificultaria a prevenção por meio de patrulhamento, por exemplo.

Por isso, a socióloga Wânia Pasinato, especialista em gênero e violência contra a mulher, defende a retomada de campanhas de educação ?tanto em escolas quanto em bairros e comunidades? sobre violência de gênero, incluindo a sexual.

A importância da educação fora de escolas, para ela, é a possibilidade de construir e reforçar redes comunitárias de apoio para mulheres na vizinhança, por exemplo. Além disso, é preciso qualificar o atendimento em órgãos especializados, como a delegacia da mulher.

"Temos convivido com uma sociedade mais sensibilizada, com profissionais e instituições um pouco mais amparados para fazer a identificação e o registro e, ao mesmo tempo, vemos aumento nas formas de violência contra mulheres e meninas, uma forma de violência política."

Dois dos exemplos citados pela socióloga são recentes: a recusa, por motivos religiosos, do Hospital São Camilo em inserir o DIU (dispositivo intrauterino); e a disputa jurídica encampada pela gestão Ricardo Nunes (MDB), que suspendeu o serviço de aborto legal no Hospital Municipal e Maternidade Vila Nova Cachoeirinha.

Segundo a SSP, há integração da segurança com outras pastas, como a Secretaria de Políticas para a Mulher, que tem um protocolo contra violência sexual em casas noturnas. "As denúncias podem ser feitas em qualquer delegacia do estado, ou ainda em uma das 140 unidades territoriais de Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), nas DDMs online e nas 77 salas DDM em plantões policiais."