'Filha de Gil' se emociona e expõe realidade dura da folia
SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) - Ainda era concentração do bloco "Filhos de Gil" quando a produtora Lenina Mesquita lutou para controlar as lágrimas. O motivo era compreensível: a emoção de fazer a festa dos foliões homenageando o ídolo Gilberto Gil se misturava com o peso que muitos produtores do Carnaval vivem: como fazer o sonho acontecer sem dinheiro?!
A música de Gil acompanha Lenina desde a infância, logo parecia mais do que natural ela ter sido a primeira pessoa a se inscrever para entrar na bateria do bloco que o homenageia. De lá pra cá, ela já passou pela comunicação e hoje está na produção. "Hoje é a concretização, a materialização de um sonho, do trabalho de um ano inteiro", desabafou.
E não é forma de falar, não. Para se ter uma ideia, o bloco já discute o cronograma para o Carnaval do ano que vem e as festas de São João em junho. "É um ano inteiro de dedicação quase que integral a esse trabalho", explicou. Somado a esse trabalho, o bloco ainda precisou lidar com toda a parte burocrática que envolve participar da folia.
"Tivemos dificuldades, exigências financeiras muito maiores que podíamos arcar. Com o atraso do anúncio da patrocinadora oficial, a gente não conseguiu patrocínio. E nós não somos um megabloco. Embora em tamanho tenham classificado a gente assim, somos três na produção e uma na comunicação. Pra gente está sendo no suor mesmo", Lenina Mesquita.
No trio do bloco Filhos de Gil, diversos nomes foram estampados. São os verdadeiros "anjos" que participaram das doações para viabilizar o desfile. Mas infelizmente, essa realidade ainda não permeia grande parte do imaginário coletivo, que ainda acha que os blocos surgem na rua quase como mágica.
"É isso que vai ajudar a gente a pagar, porque ficamos com uma dívida enorme que nem sabemos como vamos conseguir sanar. Não é só voluntariado, eu por exemplo estou trabalhando exclusivamente no bloco e eu não tenho salário. Os músicos todos, eles vêm e precisam receber um cachê, é a profissão deles", afirma Lenina.
FORMATO INSUSTENTÁVEL
Não é muito difícil encontrar pessoas envolvidas com o Carnaval que tenham muito para falar sobre a Prefeitura de São Paulo. Em 2024, grandes blocos deixaram de desfilar e citaram a desorganização da gestão municipal. Para o bloco Filhos de Gil, o cenário também não foi muito diferente.
A questão do gradeamento feito nos trajetos dos blocos impactou a organização ?e também os foliões. Seja na Vila Mariana ou no Ibirapuera, filas gigantes se espalharam para adentrar a própria rua. A revista de seguranças pouco eficaz, por vezes não pedia nem para abrir as bolsas.
"Falando do ponto de vista pessoal, mas também pelo que vi dos meus companheiros de trabalho, foi muito complicado. A prefeitura reforçou estruturas burocráticas que deixou todo o trabalho mais complicado. A gente não gosta dessa coisa de restringir a rua. A gente gosta que as pessoas possam ir ali no bar, quem está em casa possa sair e ver", afirma Pedro Keiner, músico e produtor do Filhos de Gil.
"Eu não sou uma pessoa que mexe com gestão pública, o que eu pude vivenciar a partir da perspectiva de quem trabalha com o Carnaval é que eu acho que não é sustentável ir pra frente [essa ideia]. A grande força motriz do Carnaval de São Paulo é ocupar a rua, estar na rua. Esse é o grande barato, a grande alegria", diz Pedro.