Amazon e Disney compram minério de empresa alvo da PF por esquema de garimpo ilegal
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Algumas das maiores empresas do mundo, como Amazon e Disney, têm entre seus fornecedores uma mineradora que foi alvo de operação da Polícia Federal (PF) contra garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami.
O povo yanomami passa por uma crise humanitária por causa da atuação de garimpeiros e do crime organizado em seu território, localizado entre os estados de Roraima e Amazonas.
A empresa investigada pela PF é a White Solder Metalurgia e Mineração, grande produtora de estanho em escala mundial.
Segundo o site da companhia, ela atua "em toda a cadeia produtiva do estanho, desde a mineração da cassiterita até a fabricação de soldas". O território yanomami é rico em cassiterita, que dá origem ao estanho.
A White Solder foi alvo da Operação Forja de Hefesto, em dezembro de 2023, por aparecer em registros como destino de R$ 166 milhões em cassiterita adquirida da Cooperativa de Produtores de Estanho do Brasil, que funciona como intermediária de uma suposta organização criminosa de extração ilegal de minério na TI Yanomami.
Levantamento feito pela Folha mostra que a White Solder, por sua vez, consta no portal da Comissão de Valores Imobiliários dos Estados Unidos como fornecedora de diversas empresas multinacionais, como Amazon, Walt Disney Company e Starbucks.
De acordo com a PF, a empresa fornecedora das multinacionais, "deliberadamente ou por negligência", comprava o mineral e, posteriormente, ele era processado e exportado, "sendo adquirido por grandes multinacionais e, inclusive, por big techs".
A Folha tenta contato com todos os envolvidos desde janeiro.
Por meio do email que consta no registro junto à Receita Federal, a cooperativa, em um primeiro momento, solicitou um prazo maior para prestar explicações, mas decorrido esse tempo, não houve resposta, mesmo diante de novas mensagens.
A White Solder foi contatada pelo email disponível no site da empresa e também por telefone. A reportagem foi informada que um representante da empresa comentaria o caso, o que não ocorreu.
A Disney preferiu não comentar o assunto. A Amazon chegou a afirmar que o departamento responsável prestaria informações à Folha, mas não houve manifestação da empresa após o contato.
A Starbucks afirmou que "está comprometida com o fornecimento ético em sua cadeia de suprimentos e não tem contratos em vigor" com a White Solder.
De acordo com o balanço que consta em seu site, a White Solder pagou, apenas a título de compensação financeira pela exploração mineral, quase R$ 10 milhões em 2021 e mais de R$ 16 milhões em 2022.
Consulta ao portal da ANM (Agência Nacional de Mineração) mostra que a empresa tem 17 requerimentos de exploração mineral ativos, 16 em Rondônia e 1 em Mato Grosso, todos para cassiterita ou minério de estanho.
A investigação da Polícia Federal vê a empresa como a ponta final de uma organização criminosa que envolve uma série de garimpeiros que atuam em lavras ilegais dentro da Terra Indígena Yanomami.
Os investigadores identificaram a compra de R$ 166.330.238,46 em cassiterita feita pela White Solder junto à Cooperativa de Produtores de Estanho do Brasil, a Coopertin, apenas entre fevereiro e julho de 2021. O valor representa, segundo os investigadores, quase 90% de toda a operação ilegal da cooperativa.
"[Há] forte indicativo que seus sócios atuam em cegueira deliberada, assumindo o risco de estar adquirindo produto de crimes", diz o inquérito sobre a empresa do ramo da solda.
O esquema da organização criminosa seria chefiado por um intermediador ligado à cooperativa e que negociava a cassiterita extraída ilegalmente nos territórios para ser revendida por garimpeiros para a Coopertin, que tem sede em Rondônia e filial em Boa Vista, capital de Roraima.
Foram identificados pagamentos pela cooperativa ao intermediador num total de R$ 23 milhões.
Segundo a PF, 65% da operação da Coopertin em 2021 é suspeita de ter origem no território indígena, e a filial roraimense dela serviria, justamente, como uma empresa de fachada para lavagem de dinheiro.
A investigação também mostra que a cooperativa não tem funcionários registrados no Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), o que reforça as suspeitas de atividade ilícita.
O minério seria extraído ilegalmente em Roraima e esquentado por lavras autorizadas em Rondônia.
Segundo o Ministério Público Federal, existem "fortes, concretos e recentes indícios da prática delitiva por parte dos investigados, sobretudo mediante utilização das pessoas jurídicas Coopertin e White Solder".
Segundo decisão da Justiça Federal, as provas apresentadas "delineiam indícios suficientes não só da prática dos crimes de organização criminosa, crimes ambientais e usurpação de bens da União mas também da prática de atos de lavagem de recursos de origem aparentemente ilícita, possivelmente decorrentes da extração e comercialização ilegal de minérios pertencentes à União".
A Justiça decretou o bloqueio de bens de R$ 108 milhões da White Solder (tanto da sua matriz em São Paulo como da filial de mineração em Rondônia) e também dos dois CNPJs da cooperativa (em Rondônia e Roraima), além de R$ 23 milhões do homem que atua como intermediário.
A decisão ainda acatou o pedido de suspensão das atividades econômicas da Coopertin, mas negou o feito contra White Solder.
Ainda, a PF e o MPF apontam na investigação que a cooperativa efetuou transações com Rodrigo Martins de Mello, o Rodrigo Cataratas, empresário e político bolsonarista que lidera o movimento de garimpeiros em Roraima --ele não foi alvo da operação Forja de Hefesto.
Cataratas já foi preso por suspeita de compra de votos durante as eleições de 2022 e indiciado por crime ambiental no mesmo ano.
Segundo a PF, o empresário foi o principal destinatário de recursos da Coopertin, tendo recebido R$ 11 milhões (55% de toda a operação declarada de cassiterita da cooperativa), além de outros pagamentos, de um total de quase R$ 5 milhões, feitos pelo intermediário da organização criminosa ao empresário do garimpo.
Ele, que tentou ser deputado federal em 2022 e não conseguiu, foi denunciado pelo Ministério Público Federal sob suspeita de chefiar a organização criminosa que comanda o garimpo ilegal em Roraima. Seu grupo movimentou R$ 200 milhões em dois anos e atuaria junto com uma organização maior, suspeita de transacionar R$ 16 bilhões em ouro ilegal.
Procurada, a defesa de Cataratas afirmou que negocia minério de forma legal e que não foi alvo dessa operação policial. "Rodrigo Cataratas não é parte requerida" da ação, ela "não diz respeito a ele, ela diz respeito a outras pessoas diversas."