SP perde recursos da União por não reduzir desigualdades educacionais

Por ISABELA PALHARES

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O estado de São Paulo perdeu neste ano recursos complementares do governo federal por não conseguir reduzir as desigualdades educacionais entre os estudantes da sua rede.

As escolas estaduais não foram contempladas na distribuição de R$ 3,6 bilhões prevista no novo Fundeb (Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação Básica) para induzir estados e municípios a desenvolver ações que melhorem o aprendizado de estudantes mais vulneráveis, como os mais pobres e os pretos, pardos e indígenas.

Esse mecanismo é chamado de VAAR (Valor Aluno/Ano Resultado).

Em nota, a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que os parâmetros usados para avaliar a redução das desigualdades educacionais são referentes aos anos da gestão do ex-governador João Doria (sem partido), que foi sucedido pelo vice Rodrigo Garcia (PSDB). E afirmou ter como compromisso a promoção da equidade no ensino paulista.

A equipe do ex-governador Doria atribuiu à pandemia de Covid-19 o aumento de desigualdades educacionais no período. "Com o advento da pandemia, não foi uma particularidade de São Paulo ter sofrido aumento de desigualdade educacional no período, inclusive desafios econômicos, sendo ainda a maior rede pública de ensino das Américas", disse em nota Rossieli Soares, que comandou a Secretaria de Educação durante o mandato do tucano.

O MEC (Ministério da Educação) definiu que a melhoria na redução de desigualdades seria avaliada comparando os resultados do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) de 2019 e 2021 ?as mais recentes aplicações da prova, que é o principal termômetro da qualidade do ensino no país.

A legislação definiu ainda que, para conseguir os recursos do VAAR, é preciso cumprir cinco requisitos: ter critérios técnicos para a escolha de diretores de escola (no lugar de indicações políticas), garantir participação mínima de 80% dos alunos nos exames do Saeb, aprovar e executar o ICMS Educacional, ter referenciais curriculares alinhados à BNCC (base nacional comum) e reduzir desigualdades socioeconômicas e raciais no ensino.

Esta última condição é a única que São Paulo não conseguiu cumprir para ter direito ao recurso. O Ministério Público de Contas informou à Folha ter recomendado ao TCE (Tribunal de Contas do Estado) que fiscalize o governo estadual sobre o cumprimento das condicionalidades do VAAR.

"Mais grave do que perder dinheiro é o prejuízo educacional das crianças e jovens mais vulneráveis. É lamentável que o estado mais rico do país não tenha ações para dar uma educação melhor para os mais pobres, os mais privados de um ensino de qualidade", diz Cesar Callegari, presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada e, entre outros cargos, ex-secretário municipal de Educação da capital na gestão Fernando Haddad (PT).

Segundo o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), não é possível calcular quanto São Paulo pode ter perdido de verba por não cumprir os requisitos exigidos, já que o cálculo dos repasses envolve a quantidade de entes habilitados e a quantidade de alunos de cada rede por etapa de ensino.

O órgão, que é responsável pelos repasses do Fundeb, atestou que 13 redes estaduais e 2.523 redes municipais cumpriram todas as condicionalidades e vão dividir o montante destinado ao VAAR.

O Paraná é o estado que mais deve receber recursos pelo VAAR, com previsão de R$ 118,8 milhões ao longo do ano. A capital paulista também foi contemplada e deve receber R$ 185,5 milhões de complemento.

Também conseguiram se habilitar para receber o recurso estados em que a pobreza e os baixos indicadores educacionais são muito acentuados, como Alagoas, Amapá e Rondônia.

"Estados com uma condição muito mais desafiadora estão conseguindo avançar no sentido de diminuir desigualdades raciais e socioeconômicas, enquanto São Paulo continua com uma política para subir nos indicadores gerais, sem ações específicas para os mais vulneráveis", diz Callegari.

O secretário de Educação da gestão Tarcísio, Renato Feder, assumiu o cargo com a promessa de que o estado até o fim do mandato vai liderar o ranking do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) ?composto, entre outros critérios, pelas notas do Saeb.

O VAAR foi criado exatamente para desestimular o uso político do Ideb, como se ele fosse uma comprovação de qualidade da educação. Diversas análises dos dados mostram que, em todas as suas edições e em várias regiões, alunos pretos, pardos, indígenas e pobres seguem com resultados menores mesmo nas redes que conseguem notas altas no indicador.

O novo mecanismo de distribuição de recursos tem como objetivo premiar as redes de ensino que conseguirem obter melhoria no desempenho justamente desses alunos mais vulneráveis.

Em nota, a Secretaria de Educação de São Paulo disse que trabalha para reduzir as desigualdades educacionais e citou como exemplo de ações o programa Alfabetiza Juntos, as escolas em tempo integral, mudanças na matriz curricular para aumentar as aulas de português e matemática e a adoção de aplicativos nas escolas estaduais.

Já o ex-secretário Rossieli Soares, que atualmente comanda a pasta de Educação do Pará, disse que os critérios para a distribuição do VAAR só foram definidos 8 meses após sua saída do cargo em São Paulo. "Não tendo como a gestão olhar para esse indicador, porque ele não estava normatizado", disse em nota.

Ele ainda atribuiu o aumento das desigualdades educacionais ao período da pandemia, quando as escolas precisaram ser fechadas. Soares afirmou ter adotado "várias ações na tentativa de reduzir o impacto da pandemia, focando principalmente nos estudantes mais vulneráveis, que estavam na faixa de pobreza e de extrema pobreza".

Entre as ações citou como exemplos, o programa Merenda em Casa, o fornecimento de chips de internet aos alunos e um programa de recuperação de aprendizagem.

Para acessar os recursos reservados para resultados, é preciso cumprir cinco condicionalidades:

Provimento de cargo de diretor de escolar com critérios técnicos de mérito e desempenho,

Participação de 80% dos estudantes no Saeb,

Redução de desigualdades socioeconômicas e raciais no Saeb (foco da resolução do Inep),

Alinhamento à Base Nacional Comum Curricular e

Aprovação de legislação estadual que divide o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) com municípios levando em conta resultados educacionais.