BNDES vai apoiar coprodutora de Ainda Estou Aqui com R$ 32 milhões

Por Bruno de Freitas Moura - repórter da Agência Brasil

BNDES vai apoiar coprodutora de Ainda Estou Aqui com R$ 32 milhões

Na esteira da conquista do primeiro Oscar do cinema brasileiro, recebido pelo sucesso Ainda Estou Aqui na categoria Melhor Filme Internacional, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprovou na última segunda-feira (11) o financiamento de R$ 32 milhões para a produtora Conspiração, coprodutora do longa premiado.

De acordo com o BNDES, o apoio financeiro faz parte de um movimento de retomada de investimentos no setor. Entre os objetivos propostos pelo plano de negócios da produtora, está a internacionalização das atividades.

Especialistas do setor ouvidos pela Agência Brasil apontam que o investimento público no cinema brasileiro tem o potencial de incentivar a geração de empregos de qualidade e promover a identidade cultural do Brasil no exterior.

“O investimento no setor cinematográfico pode gerar uma ampla gama de empregos, abrangendo desde a produção até a distribuição e exibição de filmes”, afirma o professor Leo Morel, do MBA em Bens Culturais da Fundação Getulio Vargas-Rio (FGV Rio).

“Essa dinâmica impulsiona o crescimento econômico tanto local quanto nacional, criando oportunidades em várias áreas, como roteirização, atuação, direção, produção e marketing”, completa.

Fundo setorial do Audiovisual

O BNDES é um banco de fomento vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, e funciona como um braço do governo para apoiar financeiramente investimentos que promovam o desenvolvimento econômico e social do país.

O financiamento à produtora Conspiração se dará com recursos do Programa BNDES FSA Audiovisual. De acordo com o BNDES, o programa de empréstimos busca a superação dos principais gargalos de produção e exibição, como infraestrutura audiovisual, inovação e acessibilidade, bem como no fortalecimento empresarial em todos os elos da cadeia.

Os recursos são financiados com custo da taxa referência (TR) mais uma taxa (pode variar de 0,5% a 2%), isto é, mais baratos do que os demais bancos.

O FSA é apenas um dos fundos de crédito do BNDES. O banco público financia empresas de diversas áreas, como aviação, concessionárias de rodovias, agropecuária e energia renovável. Apesar de ter no portfólio concessão de empréstimos com juros menores que os do mercado, o BNDES apresentou em 2024 lucro de R$ 26,4 bilhões, expansão de 20,5% ante o ano anterior. 

O diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do Banco, José Luís Gordon, aponta o setor audiovisual como uma das prioridades atuais do banco.

“Diferentemente de governos anteriores, que abandonaram o audiovisual nacional, o BNDES, no âmbito da Nova Indústria Brasil [política do governo de incentivo à industrialização], trata esse setor como uma das prioridades e volta a apoiá-lo diretamente, exercendo o seu papel de estimular o desenvolvimento e a cultura no país”.

Vencedora do Oscar

Coprodutora do filme Ainda Estou Aqui, a produtora Conspiração é uma das maiores produtoras independentes da América Latina. Entre outras obras, é responsável por títulos como O Auto da Compadecida 2 e sucessos de bilheteria como Vai Que Cola e Dois Filhos de Francisco. A produtora também coleciona participações nos mais importantes festivais de cinema do mundo, como Cannes, Berlim, Veneza e Toronto.

O financiamento do BNDES à empresa prevê desenvolvimento, produção, comercialização e internacionalização de obras audiovisuais, além de investimentos em infraestrutura, com aquisição de equipamentos.

A Agência Brasil pediu comentários à Conspiração, mas não recebeu retorno.

 

Soft power

Na apresentação do programa de incentivo, o BNDES usa a expressão soft power — “poder brando”, em tradução literal do inglês. O termo se refere à estratégia usada por países para conquistar influência e prestígio internacionalmente.

De acordo com o professor Morel, do MBA da FGV, “o cinema pode servir como uma poderosa ferramenta para promover a identidade cultural do Brasil no cenário global”.

Uma das consequências, segundo ele, pode ser o impacto no turismo, “atraindo visitantes interessados em locais icônicos onde filmes foram gravados”. Um exemplo desse fenômeno é a casa onde foi gravada parte de Ainda Estou Aqui, na Urca, zona sul do Rio de Janeiro, que passou a receber visitantes e será transformada em museu pela Prefeitura do Rio de Janeiro.

O professor ressalta ainda que esforços de internacionalização do cinema brasileiro reforçam a colaboração com produtores estrangeiros. “Os investimentos e esforços de internacionalização do cinema brasileiro têm o potencial de fortalecer a promoção da cultura brasileira, impulsionar o desenvolvimento econômico e reforçar a identidade nacional”, resume Morel à Agência Brasil.

 

Cadeia completa e streaming

O professor Rafael de Luna, do Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense (UFF), considera que a recente conquista brasileira no Oscar cria o momento propício para a retomada de investimentos no setor, superando o período de “quase paralisação” no último governo.

No entanto, ele reforça que o foco de recebimento de recursos não pode ser apenas a produção, e, sim, todas as fases da cadeia, incluindo distribuição e exibição.

Na visão de Luna, a prioridade número um deve ser a regulamentação dos serviços de streaming, “criando condições para o conteúdo audiovisual brasileiro ter acesso a essas plataformas, que hoje estão se tornando hegemônicas”.

A regulamentação de streaming depende de discussões no Congresso Nacional e é uma das bandeiras do Ministério da Cultura para 2025. 

“É mais que urgente a regulamentação do streaming, porque não adianta produzir, botar dinheiro para a produção, se não tiver onde exibir”, frisa o professor da UFF.

Rafael de Luna ressalta ainda que a internacionalização é importante, mas não pode ser tratada “como um ideal”.

“É um mercado que não pode perder de vista que o mais fundamental é o brasileiro ter condições de atingir suas próprias plateias no mercado interno”, diz. “Inclusive, a conquista do mercado interno alavanca a exportação dos filmes”.