Campanha de Bolsonaro estuda ligar Janja à 'macumba' na televisão

Por MÔNICA BERGAMO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os estrategistas do governo e da campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) estudam levar ataques à mulher do ex-presidente Lula (PT), a socióloga Rosângela da Silva, para a televisão. Os programas de TV e rádio começarão a ser veiculados a partir do dia 16 de agosto.

A ideia é explorar imagens de Janja, como ela é conhecida, que teriam o potencial de afetar negativamente o eleitorado evangélico, especialmente as mulheres.

As redes sociais de Janja estão repletas de fotografias e vídeos que a mostram como uma mulher moderna, alegre, independente, desinibida e engajada politicamente.

Em várias ocasiões, ela aparece cantando, dançando e interagindo com eleitores do petista.

Lula faz repetidas declarações públicas de amor a Janja, e ela tem sido considerada uma peça-chave na campanha dele.

Na imprensa, a socióloga tem sido retratada como uma mulher de opiniões firmes que interfere nos rumos da estratégia eleitoral do PT.

O comportamento é diferente do de Michelle Bolsonaro, que até então se mantinha reclusa na residência oficial do governo e distante da política. A primeira-dama só mergulhou na campanha do presidente recentemente, e justamente para falar de religião.

Nesse contexto, os estrategistas de Bolsonaro enxergaram em Janja um flanco.

Uma imagem dela, em especial, caiu "como uma bomba" no grupo mais próximo do presidente, segundo um de seus integrantes relatou à coluna.

É a fotografia em que Janja aparece de branco ao lado de imagens como a de Xangô, um dos orixás da Umbanda e do Canbomblé. Ao postar a imagem no Twitter, ela escreveu: "Saudades de vestir branco e girar, girar, girar...".

Integrantes do governo acreditam que a imagem tem o potencial de desgastar Lula no eleitorado evangélico --muitos religiosos não veem com bons olhos as religiões de matriz africana.

Na terça (9), a primeira-dama Michelle Bolsonaro compartilhou um vídeo no Instagram em que Lula participa de uma cerimônia de candomblé na Assembleia Legislativa da Bahia.

As imagens associam a religião às "trevas". Michelle escreveu na legenda: "Isso pode né! Eu falar de Deus, não!".

A reação foi imediata, e a primeira-dama foi acusada de incentivar um discurso preconceituoso e de ódio, desrespeitando crenças diferentes da dela.

A deputada estadual Janaina Paschoal, que é aliada de Bolsonaro, chegou a se emocionar ao pedir que Michelle "não plante a semente da divisão religiosa" no Brasil.

A ideia em estudo entre estrategistas de Bolsonaro é levar as imagens de Janja e de Lula à televisão para ampliar seu alcance. Elas já estão sendo disseminadas em redes sociais.

Tirar votos de Lula entre as mulheres evangélicas virou prioridade absoluta do bolsonarismo.

O presidente abre larga vantagem sobre o petista entre os homens da religião, vencendo hoje com 48% contra 28%, segundo o Datafolha. Já entre as mulheres evangélicas a situação é de empate: 29% para Bolsonaro e 25% para Lula. E 34% delas dizem ainda não saber em quem vão votar.

Janja já reagiu nas redes sociais à guerra religiosa ensaiada pelo bolsonarismo.

No mesmo dia da postagem de Michelle, ela escreveu no Twitter: "Eu aprendi que Deus é sinônimo de amor, compaixão e, sobretudo, de paz e de respeito. Não importa qual a religião e qual o credo. A minha vida e a do meu marido sempre foram e sempre serão pautadas por esses princípios".

Lula é conhecido por sua religiosidade. Ele é católico e próximo de diversos religiosos -as comunidades eclesiais de base tiveram um importante papel na formação do PT.

O petista e Janja se casaram na igreja, e o ex-presidente reforça que celebrou seus outros dois matrimônios da mesma forma: sob as bênçãos de um padre católico. Fez isso independentemente da política, já que sequer era sindicalista quando se casou pela primeira vez, em 1969, com Maria de Lourdes da Silva, de quem ficou viúvo. Sua segunda união, com Marisa Letícia, foi em 1974.

Antes de ser preso, em 2018, Lula pediu para que uma missa fosse celebrada no Sindicato dos Bancários, onde se abrigava.

Em julho, Lula e o candidato a vice-presidente Geraldo Alckmin foram ao velório do cardeal dom Cláudio Hummes, amigo de ambos e uma das maiores lideranças católicas do país.

Os estrategistas de Bolsonaro acreditam, no entanto, que todas as evidências da religiosidade do ex-presidente podem ser afetadas com a narrativa de que, apesar de suas reiteradas manifestações públicas ligadas ao universo cristão, a mulher, em casa, se dedica a rituais de "macumba".