Entenda inquérito do ataque hacker ao TSE utilizado por Bolsonaro para questionar urnas
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a citar o inquérito aberto pela Polícia Federal para apurar um ataque hacker ao sistema do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) como exemplo de que há suspeitas sobre a segurança das urnas eletrônicas.
Em entrevista nesta segunda-feira (22) ao Jornal Nacional, da Rede Globo, o presidente repetiu a tese de que o TSE apagou as provas da invasão ao descartar os LOGs ?registros de atividades? e citou a investigação quando questionado sobre suas acusações contra o sistema eleitoral.
"Vocês não leram o inquérito da Polícia Federal, que inclusive está inconcluso", disse Bolsonaro.
Atualmente, a investigação está em andamento na Direção de Inteligência Policial da PF.
A tese de que a apuração corrobora uma possível manipulação de votos no sistema da corte já foi rebatida pelo TSE. Em depoimento ao próprio órgão, o delegado do caso também negou ter encontrado indícios de fraude nas urnas ao apurar a invasão hacker.
Não é a primeira vez que Bolsonaro se vale da investigação para atacar a segurança nas urnas e levantar suspeitas, sem provas, sobre uma suposta fraude na eleição de 2018.
A primeira vez foi em 4 de agosto de 2021, quando divulgou a investigação em uma live. Por causa dessa atitude, Bolsonaro passou a ser investigado pela própria PF, que concluiu pela prática de crime do presidente por divulgar uma apuração sigilosa.
Já neste ano, em 18 de julho, Bolsonaro voltou a utilizar o inquérito para atacar as urnas eletrônicas, novamente sem provas, em encontro com dezenas de embaixadores no Palácio do Planalto.
Entenda abaixo alguns pontos do inquérito do ataque hacker ao TSE e da apuração aberta após Bolsonaro divulgar a investigação.
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O que é o inquérito sobre o ataque hacker ao TSE?
A investigação citada por Bolsonaro é o inquérito de número 1.361 aberto pelo delegado Victor Campos na superintendência da Polícia Federal em Brasília.
A apuração teve início em 8 de novembro de 2018 após o próprio TSE acionar a PF para informar sobre a suspeita de um ataque aos sistemas da corte.
O TSE mapeou as máquinas acessadas e conteúdos alcançados pelos invasores e pediu a apuração após um site publicar declarações de um hacker que dizia ter acessado o código fonte das urnas.
O caso ainda não foi encerrado.
Por que Bolsonaro cita a investigação?
O hacker responsável pelo ataque afirmou ao site ter permanecido dentro do sistema do TSE entre abril e setembro de 2018, ou seja, durante o processo eleitoral que elegeu Bolsonaro.
O presidente usa esse fato para dizer que ele poderia ter atuado para violar a urna eletrônica por ter acesso ao código fonte. A tese é descartada pelo TSE uma vez que a urna não é conectada à internet e qualquer alteração do código fonte impediria a instalação do sistema na urna.
O presidente citou o caso pela primeira vez em agosto de 2021, no momento em era cobrado pelo TSE para explicar as acusações sobre possíveis fraudes nas urnas.
Na mesma época, com o apoio do presidente, a base do governo debatia em uma comissão a implementação do voto impresso nas eleições deste ano.
O que é código fonte?
"Quando tivemos eleições em que o código fonte esteve na mão de um hacker, pode ter acontecido tudo, [o eleitor] aperta 17 e sai nulo", disse Bolsonaro no passado sobre o ataque ao sistema do TSE
Código fonte é o conjunto de linguagem de programação que forma a estrutura de um software.
No caso das urnas, os códigos ficam abertos e disponíveis para testes e consultas das entidades que participam da fiscalização do processo eleitoral.
Embora seja possível modificá-lo em caso de acesso, segundo o TSE, qualquer mudança impede que ele seja rodado pela urna.
Ou seja, mesmo que o hacker tenha feito qualquer alteração no software ao supostamente modificar o código fonte, ele não poderia ter mexido no funcionamento da urna porque não rodaria em formato diferente do previsto pelo TSE.
Por que o presidente diz que o TSE não entregou informações relativas aos LOGs (registros de atividades) à PF e que isso atrapalhou a apuração?
Bolsonaro afirma que seria possível identificar o que os invasores fizeram enquanto estavam dentro do sistema se o TSE tivesse fornecido os LOGs do sistema da corte.
"Toda vez que alguém entra no computador deixa rastros, chama-se log. Então, tudo que esse hacker fez de abril a novembro de 2018, ele deixou suas pegadas no log. E tão logo começou o inquérito da Polícia Federal, o que o TSE fez? Ele simplesmente apagou os logs", disse no dia 5 de agosto de 2021 em entrevista a uma rádio.
Em junho de 2019, o TSE informou à PF que os dados haviam sido apagados pela empresa terceirizada que cuida da manutenção do sistema.
"Devido a manutenções para solucionar travamentos nos firewall do TSE, a equipe da Global IP realizou reinstalação do serviço de gerência, não tendo o devido cuidado de não prejudicar os LOGs armazenados."
O inquérito foi finalizado? Qual a conclusão da PF?
O inquérito ainda não foi finalizado pela PF. Após o ministro Alexandre de Moraes afastar o delegado Victor Campos da investigação, logo após Bolsonaro divulgar o caso, a apuração saiu da superintendência do órgão no Distrito Federal e foi para a Diretoria de Inteligência Policial, na sede da PF.
Embora não tenha sido encerrado, em depoimento na investigação aberta após Bolsonaro divulgar o inquérito, o próprio Victor Campos contradiz a fala do presidente de que a invasão poderia resultar em fraude na eleição.
Ele diz não ter encontrado indícios de que a ação pudesse ter resultado em manipulação de votos, fraude ou problemas na integridade das urnas.
"Indagado se, como presidente do inquérito, identificou nos autos qualquer elemento que permitisse afirmar que houve manipulação de votos ou fraude em qualquer eleição, respondeu que não identificou nenhum elemento que pudesse afirmar isso", disse.
Sobre se a apuração permitia dizer que houve ataque à integridade das urnas eletrônicas, Victor Campos disse que "não identificou nenhum elemento que pudesse afirmar isso".
Como Bolsonaro acessou o inquérito?
A cópia do inquérito foi solicitada à Polícia Federal pelo deputado Filipe Barros (PL-PR), então presidente da comissão especial criada para debater a Proposta de Emenda à Constituição do voto impresso.
No dia 4 de agosto, após utilizar o material para atacar a segurança das urnas, Bolsonaro divulgou uma cópia da apuração em suas redes sociais.
A divulgação resultou em um inquérito aberto a pedido do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), em que a PF concluiu que Bolsonaro praticou crime ao disponibilizar o documento sigiloso.
O que é o TSE diz sobre o uso do inquérito por Bolsonaro?
Logo após a live do presidente Jair Bolsonaro no ano passado, o TSE divulgou uma nota para rebater o uso inquérito com o objetivo de levantar suspeitas sobre a segurança das urnas e negar a possibilidade de que o ataque hacker investigado pela PF tenha representado risco à integridade das eleições de 2018.
Segundo o TSE, é possível, inclusive, conferir que o código fonte das urnas não foi violado e analisá-lo uma vez que os sistemas usados nas Eleições de 2018 estão disponíveis na sala cofre da corte.
A nota ainda informa que qualquer alteração ou manipulação que o hacker pudesse ter efetuado seria identificada nas sucessivas verificações e testes realizados.
Sobre o hacker ter permanecido nos sistemas do TSE durante a eleição, a nota cita o fato de as urnas não serem ligadas em rede ou conectadas à Internet. Portanto, elas não podem ser acessadas remotamente, segundo o tribunal.
"Por essa razão, é possível afirmar, com margem de certeza, que a invasão investigada não teve qualquer impacto sobre o resultado das eleições."
O que concluiu a PF sobre Bolsonaro ter divulgado a investigação?
Na investigação relatada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, a Polícia Federal classifica como crime a atuação de Bolsonaro na divulgação do inquérito do ataque ao sistema do TSE.
Além disso, a apuração foi enviada para o inquérito das milícias digitais uma vez que a delegada do caso à época, Denisse Ribeiro, entendeu que o uso do inquérito contra as urnas se enquadra como mais um evento de uma suposta organização criminosa que dissemina fake news e ataques às instituições como forma de obter lucros financeiros e políticos.
Embora tenha visto crime de Bolsonaro, a delegada seguiu o entendimento do STF de que autoridades com foro privilegiado só podem ser indiciadas com autorização da corte.
O deputado Filipe Barros, responsável por conseguir o documento e participante da live, não foi indiciado pelo mesmo motivo. O único indiciado foi o ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro César Barbosa Cid
Segundo a PF, Bolsonaro divulgou o inquérito com "o nítido desvio de finalidade e com o propósito de utilizá-lo como lastro para difusão de informações sabidamente falsas, com repercussões danosas para a administração pública."
Todos, diz a PF, teriam cometido o crime previsto no artigo 342 do código penal que consiste em "revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação." O ponto central é o fato, segundo a PF, do inquérito ser sigiloso.
O caso é ou não sigiloso?
Bolsonaro, Filipe Barros e os outros investigados afirmam que o caso não é sigiloso. Um dos argumentos utilizados é o depoimento do delegado responsável pelo inquérito que disse não haver sigilo. A Procuradoria-Geral da República pediu arquivamento do caso por ter o mesmo entendimento, mas Moraes pediu novas diligências.
A delegada do caso, entretanto, diz em seu relatório final que "o inquérito policial, ao contrário do processo judicial, possui como regra o sigilo, conforme doutrina majoritária, posicionamento dos tribunais (inclusive súmula 14 do STF)".
Ela também argumenta que diligências investigativas sigilosas ainda estavam em andamento, uma vez que o caso não havia sido encerrado, e não poderiam ter sido publicizadas.
Denisse Ribeiro também cita o depoimento de um assessor da Câmara que diz ter sido alertado pelo próprio deputado Filipe Barros do caráter sigilo do material compartilhado pela PF.
Segundo a delegada, o investigador relatou ter compartilhado as informações com o então presidente da comissão que debatia o voto secreto sem saber que elas seriam divulgadas.
"Se a finalidade indicada fosse para subsidiar uma live presidencial, a entrega da cópia do inquérito policial teria sido indeferida", diz trecho do relatório.