Votação de Bolsonaro não tira favoritismo de Lula, e cresceremos no Nordeste, diz Flávio Dino
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Eleito senador no domingo (2), o ex-governador Flávio Dino (PSB-MA) afirma ter ficado surpreso com o resultado das urnas, uma demonstração de força de Jair Bolsonaro (PL) no país, mas pondera que o cenário pós-primeiro turno não "rompe o favoritismo" de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
"Jamais imaginei que ele chegaria a 40%. Mostra que temos no planeta uma tendência de fortalecimento do extremismo de direita, e essa tendência se confirmou no Brasil", diz Dino, em entrevista à Folha de S.Paulo.
Para ele, o resultado da eleição "vai definir o tamanho da independência do Judiciário" no país.
Dino diz que é preciso ampliar o desempenho de Lula no Nordeste e buscar votos do centro e da centro-direita. "Também tem que mostrar o comprometimento com a agenda da família, da liberdade religiosa, isso deve ser enfatizado, porque é verdadeiro. Lula não coagiu igrejas."
PERGUNTA - Quais os desafios para a campanha de Lula no segundo turno?
FLÁVIO DINO - O sr. ficou surpreso com o índice de votos de Bolsonaro? Me surpreendeu, mas não rompe o favoritismo do Lula. Vamos vencer. Achei que ele [Bolsonaro] teria algo em torno de 35%, 36% dos votos. Jamais imaginei que ele chegaria a 40%. Isso mostra que temos no planeta uma tendência de fortalecimento de extremismo de direita, e essa tendência se confirmou no Brasil. Se Bolsonaro se consolidar nessa eleição, ficará ainda mais difícil, porque os segundos mandatos de protoditadores tendem a ser ainda mais nocivos, ainda mais agressivos.
P. - Existe um receio de que a votação de Lula no primeiro turno não seja sólida?
FD - São votos muito sólidos, a não ser que houvesse algum fato novo. Lula tem a vantagem dos políticos muito conhecidos, que a sociedade já mensurou os aspectos positivos e negativos. Então é muito difícil gerar um fato novo negativo contra o Lula, porque a trajetória dele é absolutamente conhecida por 100% do povo.
O Bolsonaro é que poderá ser alvo de fatos novos, pois será a primeira vez que ele vai ser obrigado a participar de debate frente a frente. Ele nunca participou, e ele vai tremer. Ele vai mostrar o ódio, desatino.
P. - O principal desafio agora é ampliar a margem onde o Lula já tem votos ou tentar trazer o eleitor de centro e centro-direita? FD - As duas coisas não são excludentes. Vamos ampliar no Nordeste. Vamos nos reunir com a campanha para discutir o papel dos senadores e governadores eleitos para garantir, no caso do Nordeste, a margem de votos do primeiro turno e buscar ampliar a votação na região.
E vamos disputar o eleitor de centro, ao apresentar uma agenda social emergencial, com itens como aumento do salário mínimo acima da inflação, transferência de renda, segurança alimentar, gás de cozinha. Também tem que mostrar o comprometimento com a agenda da família, da liberdade religiosa, isso deve ser enfatizado, porque é verdadeiro. Lula não coagiu igrejas.
P. - A campanha petista ainda não apresentou propostas claras para a área econômica, o que desagrada o mercado financeiro. É o momento de apresentar um plano de governo detalhado?
FD - Quem conduziu a economia brasileira nos últimos anos de modo tão anárquico, de modo tão desorganizado, foi exatamente Bolsonaro. Tanto a figura do Geraldo Alckmin [candidato a vice na chapa petista] como a do Lula são garantias fundamentais de que nosso governo vai proteger e estimular a livre iniciativa. Se você for comparar, o governo Lula é mais amigo do mercado do que o governo Bolsonaro.
P. - Como governar com o Congresso sem as emendas de relator?
FD - Fazendo o que todas as democracias do mundo fazem. Quem ajuda a ganhar [a eleição] ajuda a governar, com políticas públicas, com ministérios. Isso não é ilícito, não é imoral, é uma decorrência de uma sociedade plural. Lula vai construir uma maioria parlamentar partilhando o poder. Quem acha que partilhar o poder é ruim na verdade é defensor de partido único, defensor de ditaduras. Vamos ter que governar com partidos à direita do nosso campo. Eles conseguiram votos, o que enriquece e legitima melhor o sistema representativo.
O campo da esquerda não conseguirá sozinho sustentar o governo. Isso implica agregar forças parlamentares diferentes. No mínimo, parte dos partidos que estão com Bolsonaro hoje [como PP e Republicanos] estará ajudando [um eventual] governo Lula.
P. - Bolsonaro conseguiu eleger aliados, e o Senado terá uma composição mais conservadora a partir de 2023. Como a esquerda vai se posicionar na Casa?
FD - Os Poderes têm autonomia, mas ao mesmo tempo têm interdependência. O Bolsonaro, se reeleito, puxa o Congresso ainda mais para a direita. O Lula, se eleito, modera mais; ele divide essa maioria da direita, porque os partidos não são homogêneos nem internamente nem entre si. O centrão é uma aglomeração contingencial de interesses. Com o Bolsonaro essa aglomeração é mais forte; com o Lula, ela é mais frágil.
P. - O sr. acha que será um Senado com força para levar adiante um pedido de impeachment de ministro do STF?
FD - O resultado da eleição presidencial vai definir o tamanho da independência do Judiciário no Brasil. Se Bolsonaro vencer, essa independência ficará bem pequenininha, porque ele ia se juntar com o Congresso e fazer dois [Poderes] contra um. Ele [Bolsonaro], no mínimo, patrocinaria uma emenda de ampliação do Supremo para ter o controle sobre o Judiciário. E, com certeza, eles tentariam um processo de impeachment contra algum ministro do Supremo pelo nível de ódio que é a subjetividade dominante do Bolsonaro. Então a eleição deste segundo turno vai definir o futuro do Executivo e também do Judiciário.
P. - Medidas do presidente Bolsonaro na área de segurança pública serão desfeitas se Lula ganhar a eleição?
FD - Sem dúvidas. Essa temática de armas é essencial, porque isso é um desvario. Não pode ser assim: colocar armas em circulação sem controle algum. Estamos vendo falsos integrantes de clubes de tiro e [falsos] colecionadores infiltrando nas organizações criminosas.
P. - O que fazer com as armas que já estão nas mãos dessas pessoas?
FD - Uma nova campanha de desarmamento. Houve uma quando o estatuto [do desarmamento] foi lançado, e uma nova precisa ser feita, que envolve repressão a armas ilegais e o convencimento com campanhas e incentivos. Mostrar que a sociedade não ganha nada com esse nível de circulação de armas, porque elas se tornam armas ilegais.
P. - Do ponto de vista legal, é possível fazer essas pessoas com autorização de CAC (caçador, atirador e colecionador) devolverem as armas?
FD - Claro que sim, não existe direito adquirido a usar a arma. O próprio STF tem uma jurisprudência que está formando para mostrar a ilegalidade dos decretos [que flexibilizaram porte e posse de armas]. Se os decretos são ilegais, as armas ficam ilegais e devem ser aprendidas. Os incentivos seriam financeiros para a devolução das armas. É mais barato que a repressão.
P. - Lula tem dito que quer o sr. no alto escalão em eventual governo petista. Uma hipótese é o Ministério da Justiça.
FD - Isso não está colocado no mundo dos fatos. Cada dia tem sua agonia. Não estou pensando nisso agora. Em um governo de reconstrução nacional é quase que um imperativo ético; para mim, é um imperativo moral, um dever patriótico. Pode ser no Senado, pode ser em algum ministério.
P. - O sr. é contra o aborto. Como pretende lidar com isso em um eventual governo Lula?
FD - Não creio que o Supremo venha, entre aspas, legislar sobre isso. Esse sempre será um tema que estará no Congresso. E não vejo o Congresso legislando sobre isso. Nos próximos anos não haverá nenhuma mudança jurídica sobre esse tema. Não é um debate com dimensão prática na eleição, porque a sociedade não tem ainda uma visão de mudança. A imensa maioria do povo mantém uma visão de manutenção da lei como está.
RAIO-X
Flávio Dino, 54 Nascido em São Luís, é graduado em direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), com mestrado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi juiz federal de 1994 a 2006 e chegou a presidir a Ajufe (Associação de Juízes Federais). Foi eleito deputado federal em 2007. Já foi governador do Maranhão e presidente da Embratur. Na eleição de 2022, foi eleito senador.