Projeto bolsonarista sobre pesquisas usa dados errados e pressupõe voto imutável

Por RANIER BRAGON E DANIELLE BRANT

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A antiga pressão de setores do Congresso brasileiro para censurar pesquisas eleitorais foi reforçada agora com a tentativa de criminalização generalizada de institutos que realizam levantamentos e se materializou, nesta quinta (6), na apresentação de um projeto de lei inexequível --caso seja aprovado.

O texto elaborado pelo líder do governo Jair Bolsonaro (PL) na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), tem como espinha dorsal um cenário que, ao pé da letra, parte do pressuposto de que os eleitores não mudam sua intenção de voto nos 15 dias que antecedem um pleito.

A proposta se insere numa mobilização bolsonarista após o resultado de domingo (2). A ofensiva visa a desacreditar os institutos com argumentos que ignoram características de pesquisas eleitorais, entre as quais a de que levantamentos apontam a intenção de voto de pessoas aptas a votar no momento em que são entrevistadas, além de eventuais tendências, sem a missão de antecipar o voto dado pelo eleitor.

Essa mobilização tem como líderes o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e Bolsonaro, atrás nas duas primeiras sondagens para o segundo turno divulgadas por Ipec e Quaest. A primeira pesquisa do Datafolha sobre o atual cenário da corrida presidencial será divulgada nesta sexta-feira, a partir das 17h.

O projeto de lei protocolado por Barros estabelece pena de prisão de quatro a dez anos a quem publicar, "nos 15 dias que antecedem às eleições, pesquisa eleitoral cujos números divergem, além da margem de erro declarada, em relação aos resultados apurados nas urnas". Assim, a punição prevista na proposta pode ser maior do que a aplicada em casos de homicídio, cuja pena mínima é de seis anos de detenção.

Além de ignorar a natureza das pesquisas eleitorais, que não é a de antecipar o resultado das urnas, o texto de Barros pressupõe que a intenção de votos não terá mudanças nos 15 dias anteriores ao pleito.

Ou seja, caso aprovado o texto, estarão sujeitos a prisão os responsáveis por pesquisas que apontarem um cenário eleitoral que, decorridos 15 dias até a data da eleição, não coincidam com os números da apuração dos votos. "Respondem pelo crime o estatístico responsável pela pesquisa divulgada, o responsável legal do instituto de pesquisa e o representante legal da empresa contratante da pesquisa. O crime se consuma ainda que não haja dolo de fraudar o resultado da pesquisa publicada", diz o texto.

O texto de Barros diz considerar "erro grotesco que sete empresas já estabelecidas no mercado tiveram pesquisas indicando a possibilidade de vitória de Lula no primeiro turno". Ocorre que de fato houve essa chance --apenas 1,57 ponto percentual dos votos válidos separou o petista do triunfo no último dia 2.

Outra contradição da proposta é estabelecer que até mesmo casos considerados culposos (quando não há intenção de cometer crime) serão punidos, um conflito com a mudança capitaneada por Lira, Barros e outros integrantes do centrão na Lei de Improbidade --eles excluíram a possibilidade de responsabilização em casos de ilícitos cometidos de forma culposa, algo que poderia beneficiar políticos.

O líder do governo disse que, apesar de o projeto estabelecer exigência de "acerto" nas pesquisas divulgadas nos 15 dias antes da eleição, o último levantamento publicado é aquele que seria considerado. Questionado por que isso não está no texto, Barros afirmou que a redação da proposta pode ser alterada.

Sobre o suposto "erro grosseiro" dos institutos ao terem informado a possibilidade de vitória de Lula em primeiro turno, afirmou que as pesquisas induziram esse cenário. Questionado se a resposta não subestima o eleitor, Barros afirmou estar "provado" em pesquisa que ele mesmo teria feito: "Fiz uma pesquisa e perguntei isso. Para que servem as pesquisas? Para provocar a mudança do voto do eleitor".

Parte do Congresso tem um desejo antigo de aprovar uma censura a pesquisas eleitorais, com regras que não diferenciam institutos com longo histórico de credibilidade de outros que são usados pelos próprios grupos políticos para inflar suas intenções de votos e de aliados.

Em setembro de 2021, a Câmara aprovou texto determinando que os levantamentos só podem ser divulgados até a antevéspera da eleição. O projeto também estabelece a exigência da publicação de um "percentual de acertos" nos últimos cinco pleitos. A proposta ainda não foi analisada no Senado.

Esta não foi a primeira vez que o Congresso tenta restringir a divulgação de pesquisas eleitorais.

Em 2006, o STF (Supremo Tribunal Federal) derrubou parte de projeto aprovado pelos parlamentares que vetava a publicação de pesquisas eleitorais nos 15 dias que antecedem o pleito. O argumento dos ministros foi o de que a medida restringia o direito dos eleitores à informação.

As duas medidas aprovadas em 2021 pela Câmara são criticadas por especialistas sob o argumento de que representam censura a informações relevantes para que os eleitores possam tomar suas próprias decisões, além de desconsiderarem a natureza dos levantamentos, que apontam retratos do momento em que foram feitos, passíveis de mudanças até o momento do voto.

Nesta quinta, Lira engrossou a pressão sobre os institutos, dizendo que vai votar na próxima semana um projeto sobre divulgação e prazos de pesquisas eleitorais e que a instalação de uma CPI sobre empresas do setor deve ocorrer assim que as assinaturas forem colhidas, e o objeto da investigação, analisado.

Aliado de Bolsonaro, o presidente da Câmara esteve na manhã desta quinta-feira (6) no Palácio da Alvorada com outros deputados da base do governo para uma reunião com o presidente.

O ministro da Justiça, Anderson Torres, encaminhou à PF (Polícia Federal) em 4 de outubro um pedido para abrir inquérito sobre os institutos de pesquisas eleitorais. Na véspera da eleição, o próprio ministro havia compartilhado em suas redes resultado de sondagem que apontava a possibilidade de vitória de Bolsonaro no primeiro turno. Procurado por meio de sua assessoria, ele não se manifestou.