Codevasf doa veículos às vésperas da eleição e limpa pátio

Por ARTUR RODRIGUES E FLÁVIO FERREIRA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A estatal federal Codevasf limpou um pátio lotado de veículos e máquinas para distribui-los nas semanas que antecederam a eleição no Rio Grande do Norte.

Até três dias antes de a população ir às urnas, doações ainda estavam sendo realizadas.

Os bens foram comprados pela Codevasf, estatal entregue ao centrão por Jair Bolsonaro (PL), para distribuição em reduto eleitoral de aliados do presidente.

Considerando todo o ano de 2022, a estatal fez mais de 60% das entregas no Rio Grande do Norte em um só mês, setembro, exatamente aquele que antecedeu o primeiro turno.

A estatal é a mesma que apresentou indícios da ação de um cartel de empresas de pavimentação que somam mais de R$ 1 bilhão, conforme auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) revelada pela Folha de S.Paulo.

A Codevasf é vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), que na maior parte do período investigado pelo TCU era comandado por Rogério Marinho (PL-RN).

A estatal nega irregularidades na distribuição ocorrida às portas da eleição.

Neste mês Marinho assumiu a coordenação de campanha de Bolsonaro no Rio Grande do Norte após ser eleito senador pelo estado no último dia 2.

Em comum entre aliados e adversários de Marinho está a percepção de que ele usou a influência na Codevasf, que é vinculada ao seu antigo ministério, para conseguir doação de bens -ele, porém, nega.

Criada na década de 1970 para realizar projetos de irrigação no semiárido, no governo Bolsonaro a Codevasf passou a ser uma grande doadora de bens e executora de obras de pavimentação.

A empresa tem usado uma brecha criada por uma lei para distribuir bens também em período eleitoral. A legislação recém-aprovada prevê essa possibilidade desde que haja alguma contrapartida -conforme a Folha de S.Paulo mostrou, há casos de serviços insignificantes e direcionados.

Às vésperas da eleição, as grandes fileiras de veículos chamavam a atenção em um terreno no campus da Ufersa (Universidade Federal Rural do Semi-Árido). Eles estavam ali à espera da distribuição para municípios e associações.

No fim de agosto, o terreno guardava 31 caminhões, sete tratores e dois arados. Uma semana depois, eram 26 caminhões.

No sábado que antecedeu a eleição, dia 1º de outubro, havia apenas um solitário caminhão em todo o pátio.

Questionada sobre a "limpeza" do pátio com veículos e máquinas, a Codevasf informou que, entre os dias 6 e 29, portanto até três dias antes da eleição, houve entregas em 23 municípios e sete associações.

A cidade de Mossoró, cujo prefeito é Alysson Bezerra (Solidariedade), aliado do senador eleito, foi uma das beneficiadas com doações da Codevasf no período, segundo lista fornecida pela estatal.

Entre as localidades beneficiadas também está Messias Targino, cuja prefeita é a bolsonarista Shirley Targino, que, em suas redes, foi ativa divulgadora das campanhas de Jair Bolsonaro e Rogério Marinho. Ela, inclusive, mostrou encontro com a primeira-dama, Michele Bolsonaro.

A cidade recebeu um caminhão compactador avaliado em R$ 391 mil.

Às portas do período eleitoral e na esteira da explosão de gastos com as chamadas emendas de relator, os valores com esse tipo de doação saltaram de R$ 178 milhões, em 2020, para R$ 487 milhões, em 2021, aumento de 173%.

Só nos primeiros cinco meses de 2022, o montante chegou a R$ 100 milhões, segundo levantamento da Folha de S.Paulo a partir de dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação.

Para facilitar o processo, a empresa tem até um catálogo usado por deputados e senadores para escolher a destinação de suas emendas parlamentares aos seus redutos eleitorais.

Como uma peça de divulgação de uma loja de departamentos, o material traz fotos e preços de máquinas, implementos agrícolas, veículos, equipamentos, materiais e até obras de pavimentação que estão ao dispor dos congressistas.

Na semana da eleição, a empresa doou e instalou cisternas em residências marcadas com adesivos de propaganda de um deputado federal aliado candidato à reeleição.

Ainda nesta esteira, chefes regionais da estatal têm usado as redes sociais para promover políticos autores de emendas parlamentares escoadas à empresa pública para a realização de obras e doação de equipamentos em seus redutos eleitorais.

Em outros estados, a Codevasf está envolvida em diversas suspeitas ligadas a contratos de pavimentação e doações.

Conforme a Folha de S.Paulo revelou, uma empreiteira ligada a familiares de um ex-líder do governo Bolsonaro é uma das suspeitas de integrar um cartel de empresas de pavimentação que teria fraudado licitações da estatal no valor total de mais de R$ 1 bilhão, segundo auditoria do TCU.

OUTRO LADO

Questionada sobre o assunto, a Codevasf negou irregularidades na distribuição às portas da eleição.

Segundo a empresa, os "bens destinados a doação são armazenados pelo tempo necessário ao cumprimento de etapas formais de recebimento, pagamento e transferência".

As etapas previstas são a recepção dos bens no pátio, pagamento aos fornecedores e depois a doação, "requer análises de adequação técnica, conformidade legal e conveniência socioeconômica", diz a nota da empresa.

Sobre a escolha dos beneficiários, a estatal afirmou que as transferências ocorrem de acordo com a legislação e que são realizadas "no âmbito de projetos e ações de desenvolvimento regional".