'Caminhos diferentes', diz secretária que pediu demissão após Rodrigo apoiar Bolsonaro
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A economista Laura Muller Machado, que deixou o Governo de São Paulo junto com outros dois secretários após o governador Rodrigo Garcia (PSDB) declarar "apoio incondicional" ao presidente Jair Bolsonaro (PL), diz que decidiu sair ao notar que ela e o tucano seguiam "caminhos diferentes".
Laura foi secretária de Desenvolvimento Social entre abril, quando Rodrigo virou governador, e o último dia 5, um dia depois do anúncio dele. Também deixaram os cargos em protesto o deputado federal Rodrigo Maia (Projetos e Ações Estratégicas) e a economista Zeina Latif (Desenvolvimento Econômico).
Em entrevista à Folha de S.Paulo, a primeira após o caso, Laura, 35, evitou criticar o governador e deixou transparecer o receio de que programas estaduais de combate à desigualdade social percam continuidade. Apesar disso, ela acredita que ações legadas pelos quase 30 anos de domínio do PSDB deverão ser mantidas.
"Foi muito feliz esse encontro", diz, sobre o convite para trabalhar com Rodrigo. "A partir de um certo momento, eu acho que a gente seguiu caminhos diferentes. Houve um momento ali em que achei que um casamento mais técnico talvez não fizesse sentido. Então, acho que foi melhor assim."
O governador, que ficou em terceiro lugar no primeiro turno e declarou apoio ao bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos), antecipou-se ao grupo de insatisfeitos e oficializou a saída do trio logo que soube da insurgência. Ele escolheu aliados para substituí-los até o fim do mandato, em dezembro.
O gesto dos auxiliares foi avaliado como uma mensagem contundente de desconforto com o alinhamento entre o titular do Palácio dos Bandeirantes e o postulante à reeleição na Presidência. Outros secretários expressaram descontentamento, mas resolveram continuar em suas funções.
Ao informar em seu perfil de uma rede social que estava de saída, Laura foi elogiada. Seguidores a cumprimentaram por "estar do lado certo da história" e se recusar a "compor governo que vai ajudar genocida". Também criticaram a "postura lamentável" de Rodrigo, chamado de oportunista.
Discreta e com trajetória de atuação acadêmica, ela é professora do Insper e pesquisadora de políticas públicas para a superação da miséria. Questionada se é anti-Bolsonaro, preferiu se esquivar.
"Eu sou uma pessoa pró-política social e preocupada com a redução da pobreza no Brasil. Então, eu vou estar sempre disponível para quem quiser cuidar desse assunto. Não sei... Enfim, se o governador eleito, se o presidente eleito, quiser discutir isso, estou à disposição", respondeu.
Laura apoiou no primeiro turno a presidenciável Simone Tebet (MDB) e contribuiu com propostas para o programa de governo da senadora, que ficou em terceiro lugar na corrida e embarcou no segundo turno na campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Sem vinculação partidária, a ex-secretária disse que "dá para melhorar" o que vem sendo feito por Bolsonaro e pelo próprio governo do estado. "Sobre posições políticas, não sei dizer. O que sei é que dá para melhorar muito a nossa política social no Brasil, sob as mãos de quem quer que seja que esteja liderando. Disso eu tenho certeza."
A economista indicou, ao longo da conversa, que teve convivência harmoniosa com o governador até o momento em que ele, derrotado, aderiu às campanhas de Bolsonaro e Tarcísio.
Ela, que se vê como uma técnica, disse que se sentiu grata pelo convite para ocupar um cargo público pela primeira vez. Declarando-se "muito fã", disse considerar Rodrigo alguém disposto a resolver problemas da área social e que "dedicou a vida toda a cuidar do estado".
"Sobre todo o meu período na gestão do governador, não tenho nenhuma crítica a ele. Ele sempre deu muita abertura e estava interessado em aproveitar o que eu tinha a oferecer para o estado de São Paulo. A junção de alguém da área técnica com um governador que está preocupado com isso caminhou bem. Em um dado ponto não funcionou mais, não sei se dali para a frente o casamento ia funcionar", resumiu.
O tucano disse em reunião do secretariado no dia da onda de defecções, segundo o Painel, que seu apoio se deu em caráter pessoal e que membros de sua equipe eram livres para discordar.
"Ele com certeza é um grande líder. Talvez a gente discorde em algumas coisas, mas acho que ele foi um grande governador, uma pessoa muito importante para o estado de São Paulo. Disso eu não tenho dúvida", afirmou a ex-titular da pasta de Desenvolvimento Social.
No lugar dela entrou a veterana tucana Célia Leão, que já foi vereadora, deputada estadual e secretária estadual.
Embora seja nítido que sua saída da administração teve relação direta com o apoio de Rodrigo a Bolsonaro, Laura disse ter uma "leitura política das coisas muito limitada" e usou como argumento para não detalhar sua decisão o fato de se enxergar como "uma professora universitária".
"O [meu] gesto foi no sentido de defesa de uma política social sólida, uma política social que defenda os mais vulneráveis, e eu quero ir nessa direção", disse.
"Não tenho declarado meu voto pelo simples fato de que acho que a minha contribuição maior não é política, é técnica. Meu campo político, se posso dizer assim, é na defesa de tirar as pessoas da linha da pobreza para terem autonomia de renda", desconversou ao ser indagada sobre seu voto.
Laura só deixa de ser econômica nas palavras quando é para falar dos temas que estuda e das realizações em seu curto período na secretaria. Ela enfatizou a conclusão do plano de medidas da pasta para o próximo ano, que foi enviado à Assembleia Legislativa com a proposta orçamentária.
Para a economista, ações como a rede de restaurantes populares Bom Prato e o programa de transferência de renda Bolsa do Povo precisam continuar e ser ampliadas.
"As pessoas vulneráveis estão numa situação pior do que estavam antes da pandemia. Ninguém discorda disso. Espero que quem vier cuide com carinho delas. Há um conjunto de políticas muito sólidas no estado de São Paulo que podem, sim, ser aperfeiçoadas, mas não vejo por que interrompê-las."
Laura, que deixou claro estar aberta a colaborar com qualquer governante eleito, disse que o principal problema de programas como o Auxílio Brasil (antigo Bolsa Família) é que muitas políticas sociais estão desfocalizadas, excluindo os mais vulneráveis, e falham em apontar a porta de saída.
"Nos últimos dez anos, tivemos um passo importante, que foi o aumento do valor da transferência. Agora, é preciso discutir como centralizar os esforços em quem mais precisa. Além disso, fazer um programa de inclusão produtiva, de inclusão no trabalho para essa população", afirmou.
Mesmo com o desfecho de sua passagem pelo governo, ela considera que a experiência valeu por um aprendizado: "O de que é perfeitamente possível tirar as pessoas da pobreza no nosso país. Temos orçamento, conhecimento disponível. Dá para fazer. É possível garantir que no Brasil ninguém passe fome".