Bolsonaro concretizou extremismo político, e Jefferson é exemplo disso, diz psicólogo

Por GÉSSICA BRANDINO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A eleição de Jair Bolsonaro (PL) em 2018 concretizou o extremismo no país, diz o psicólogo e professor da UFG (Universidade Federal de Goiás) Domenico Hur. A reação de Roberto Jefferson à prisão no último final de semana exemplifica isso.

Um dos autores do livro "Psicologia dos Extremismos Políticos", em que analisa o discurso de Bolsonaro ao longo da carreira, Hur aponta a retórica radical e agressiva como o fator que levou o presidente a ter sucesso nas urnas.

O extremismo, porém, não está presente apenas na direita, ressalta. A intensificação da divulgação de fake news às vésperas da campanha de ambos os lados reflete isso, com prejuízo à saúde mental de brasileiros.

"Quando tem essa tática eleitoral meio suja, podemos falar que a saúde mental nunca foi tão atacada. Não foram só os pró-Lula que sofrem esperando o segundo turno. A extrema-direita e os pró-Bolsonaro também estão ansiosos."

PERGUNTA - O que caracteriza o extremismo político?

DOMENICO HUR - É uma conduta política autoritária, que se fixa em um conjunto de quaisquer crenças -seja da direita ou esquerda- de forma muito intensa. Não raras vezes, fundamentalista. Há uma polarização e um monopólio sobre a verdade. Isso está correto e tudo o mais está incorreto, o que leva ao não diálogo.

A reação com tiros e granadas de Roberto Jefferson é um exemplo disso?

D. H. - Desde a vitória de Bolsonaro, Roberto Jefferson começou a surfar no bolsonarismo. Adotou retórica militarista e armamentista, posando com armas de fogo e motos Harley-Davidson numa demonstração de posições políticas extremistas.

Para consolidar isso e criar visibilidade para si, atacou o STF (Supremo Tribunal Federal) e arquitetou uma resistência armada rocambolesca no momento da prisão. É uma ação extremista, com fins de marketing político, que rompe com os limites instituídos pela lei, e quer advogar sobre uma suposta liberdade individual contra os agentes do Estado.

Apesar de Bolsonaro ter condenado a conduta de Jefferson, ele tem sido um presidente extremista?

D. H. - Jair Bolsonaro se elegeu por 28 anos como parlamentar e em 2018 como presidente devido à retórica extremista, muito contundente e agressiva. É uma retórica tão crua e dura que captura a atenção do espectador. Bolsonaro tornou-se um êxito eleitoral por concretizar o extremismo político no Brasil.

No meu livro analiso esse discurso em detalhes. Um exemplo foi a entrevista de 1999 em que Bolsonaro defendeu um golpe de Estado, com 30 mil mortes, começando pela do presidente da época, Fernando Henrique Cardoso. Neste golpe ficcionalizado, Bolsonaro defendeu o fechamento do Congresso Nacional.

Inúmeras vezes, como presidente, ele atacou outras instituições, como o STF. Defendeu ações que rompem com os limites instituídos pela lei no sonho de instaurar um governo em que houvesse apenas um poder: o seu. Esse é o anseio de todo governo extremista, que se fundamenta numa lógica autoritária e que pode constituir uma possível ditadura.

O bolsonarismo também é extremista?

D. H. - O bolsonarismo é um movimento político extremista por excelência, anterior a Bolsonaro. O movimento esperava por esse "líder" que não teria censuras próprias em expressar e afirmar todas as hierarquias e desigualdades que vivemos no Brasil.

O bolsonarismo é perigoso porque legitima o exercício da violência em diversas instâncias, como foi o caso do ataque armado de Roberto Jefferson à PF.

Por outro lado, há uma grande parcela do eleitorado de Bolsonaro que não é bolsonarista. Não defende a posse de armas de fogo, não está calcado no ódio à diferença e reconhece seus inúmeros defeitos. Esse é o antigo eleitorado de direita, que não quer votar no PT e na esquerda, mas que está órfã de ofertas eleitorais.

Essa eleição está muito acirrada, mas o extremismo já não se mostra uma oferta política tão eficaz se comparamos com o cenário de 2018.

Como o extremismo aparece no discurso político?

D. H. - Com a crise financeira mundial de 2008 houve um grande cenário de desamparo, crise social e psíquica e o extremismo surgiu como discurso contundente para resolver os problemas sociais. Na Europa, para lidar com a questão do desemprego e da insegurança social, veio o nacionalismo e o antagonismo.

A criação do antagonismo é uma estratégia política importante para a coesão interna grupal. Não é coincidência que seja o mesmo modo de ação do nazifascismo na década de 30.

Há polarização ou extremismo nas relações políticas brasileiras?

D. H. - A polarização é uma decorrência dessa lógica extremista. A polarização seria a divisão e o extremismo seria quando se rompe os limites de compatibilidade social, ao passo em que essa divisão acabaria ficando mais agressiva e, muitas vezes, fora da lei.

O que está no centro da polarização e do extremismo é criação da figura do inimigo, manejando as emoções para que a gente tenha raiva desse outro. Ter raiva do outro é muito eficaz politicamente, porque há a criação do antagonismo. Isso é importante porque cria-se esse discurso da polarização.

Se pensarmos no âmbito teórico, não há dois extremos políticos na eleição. Bolsonaro representa sim a extrema direita e o Lula representaria uma centro esquerda. Não são dois polos antagônicos, mas Bolsonaro, desde 2017, maneja a polarização, porque o antagonismo dá força ao discurso político.

O Brasil se tornou um país extremista? Em que momento?

D. H. - A estratégia retórica eleitoral no Brasil se tornou mais extremista após o impeachment da Dilma porque se queria aplicar de forma radical a agenda ultra liberal. A ideia é que isso seria feito com o Alckmin, mas ele não decolou, então se apostou em Bolsonaro.

Foi um erro crasso do PT colocar o Haddad como candidato em 2018, porque ele não encarna nenhuma das características do líder extremista.

Qual seria o perfil certo?

D. H. - Há dois contextos. Os mais calmos, em que é possível o diálogo. Ali um líder, um político que propiciasse a reflexão e a mediação poderia ser uma boa alternativa, mas em contextos mais conflituosos teria que ser um político forte, tal como o Lula.

Lula trabalha bem essa figura do homem forte quando está no embate, mas também do homem fraco, quando é vítima de perseguição. O Lula também é reconhecidamente um político autoritário. Faz o discurso Lula paz e amor, mas no PT ele é bem conhecido pelo autoritarismo dele.

A difusão de fake news na campanha é uma ação extremista tanto da direita quanto da esquerda?

D. H. - É uma tática da lógica extremista a difusão da fake news, tanto para desinformar quanto para fortalecer o grupo interno para atacar o outro.

Estudos na psicologia política mostram que muitos dos eleitores reconhecem as fake news, mas continuam a propagá-las porque isso fortalece o próprio discurso e provoca antagonismo.

Como o uso da desinformação na campanha afeta a saúde mental do eleitor?

D. H. - Quando tem essa tática eleitoral meio suja, podemos falar que a saúde mental nunca foi tão atacada. Não foram só os pró Lula que sofrem esperando o segundo turno. A extrema-direita e os pró Bolsonaro também estão ansiosos.

Não é à toa que a procura pelo curso de psicologia aumentou vertiginosamente. Como psicólogo, acho isso ruim porque mostra o adoecimento social.

A estratégia retórica dos extremismos é algo que vai nos adoecer mais, porque fomenta insegurança, ódio, ira e antagonismo.

Essas rupturas e alterações familiares que vimos de 2018 para cá, muitas se deram por uma estratégia eleitoral extremista para angariar votos, o que é uma pena. Há muito rancor e isso vai demorar para ser para ser mudado.

O que fazer nessa reta final e diante dos resultados das eleições para proteger a saúde mental?

D. H. - Evitar brigas com os vizinhos, familiares, porque faz parte da democracia termos posições diferentes. Não podemos deixar que a política rompa o nosso mundo cotidiano.

O segundo ponto é aprender a escutar. As redes sociais trouxeram um novo modo de socialização política diferente dos grêmios estudantis, grupos de jovens da igreja, sindicatos, com reuniões em que a gente mais ouvia do que falava. Hoje é o contrário: a gente só fala, escreve e não escuta. Escutar o outro antes de argumentar é fundamental. Tanto o outro pode aprender algo, como nós podemos aprender com o outro.

Por último, temos que fazer uma autoanálise sobre as nossas emoções e as do outro. Controlar os afetos primitivos e apostar na convivência.

O grande desafio que a gente tem no pós pandemia e no pós eleições de 2022 é como cultivar uma nova sociabilidade com as diferenças.

RAIO-X

Domenico Hur, 44

Doutor e mestre em psicologia social pelo Instituto de Psicologia da USP. Fez estágio doutoral na Universidade Autônoma de Barcelona e pós-doutorado na Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha. É professor associado da UFG (Universidade Federal de Goiás). Autor de livros de psicologia política, entre eles "Psicologia dos Extremismos Políticos", com José Manuel Sabucedo (Editora Vozes, 2020).