Saiba quem é Fernando Cerimedo, argentino que fez live com mentiras sobre urnas

Por LUCAS BORGES TEIXEIRA

SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) - Na última sexta-feira (4), uma live realizada por um canal argentino no YouTube viralizou ao divulgar um suposto dossiê com informações falsas sobre a apuração das eleições no Brasil. Assistido por mais de 400 mil pessoas, o vídeo com dados distorcidos foi amplamente divulgado entre aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL), derrotado no pleito.

À frente das imagens, o consultor Fernando Cerimedo, responsável pelo canal "La Derecha Diário", do YouTube. Apoiador aberto da família Bolsonaro, ele diz ter ajudado na campanha do presidente em 2018 e ter se encontrado com o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) pouco antes do segundo turno deste ano.

Segundo reportagem do Estadão Conteúdo, o principal argumento apresentado na live é de que cinco modelos de urnas eletrônicas usadas na eleição deste ano registraram mais votos para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) do que para Bolsonaro. Esses modelos, diz o dossiê, não teriam sido submetidos a teste de segurança. Apenas a urna 2020 teria passado pelo crivo de peritos de universidades federais e das Forças Armadas. Essa informação é falsa porque todos os modelos da urna já tinham sido submetidos a teste.

De acordo com a Justiça Eleitoral, todos os modelos são colocados à prova antes do pleito --com testes transparentes e auditáveis por autoridades e partidos (veja abaixo a íntegra da nota do TSE que rebate os argumentos de Fernando Cerimedo na live).

A reprodução da live --gravada na Argentina, segundo Cerimedo-- fez com que o deputado bolsonarista eleito Nikolas Ferreira (PL-MG) tivesse as contas do Twitter e do Instagram suspensas por divulgação de informações falsas.

Com escritório na badalada região de Puerto Madero, em Buenos Aires, Cerimedo é um estrategista e consultor especializado em marketing digital e político e dono de diversos canais ligados à direita argentina.

Chamado por portais locais como um "Steve Bannon latino-americano", em referência ao ex-conselheiro do ex-presidente norte-americano Donald Trump, ele diz em entrevistas querer fortalecer a direita por todo o continente.

Em conversa com o portal Notícias, da Argentina, ele conta que, além do país natal, já expandiu os negócios para Brasil e Chile. No ano que vem, disse, pretende entrar nos Estados Unidos, colaborando justamente com Trump, que flerta com um retorno à Casa Branca em 2024.

No Brasil, segundo ele, já colaborou com a eleição de Bolsonaro em 2018. O consultor defende o uso de robôs em aplicativos de mensagem e redes sociais como estratégia para vencer a eleição.

"Na campanha de 2018, ele [Bolsonaro] havia falado muito mal dos gays. Como fizemos para reverter isso? Por WhatsApp, começamos a mandar milhares de mensagens de trolls dizendo: 'Eu sou gay. Bolsonaro pode ser um nazista, mas a economia está bem e vamos viver mais seguros'. A partir dessa influência, parte da comunidade gay o apoiou."

Na entrevista, divulgada no dia 27 de outubro, a três dias do segundo turno, o consultor não fala das eleições de 2022, mas conta que recebeu Eduardo Bolsonaro, terceiro filho do presidente, para uma visita em outubro.

Ele diz ter conhecido Eduardo em 2010, durante um curso nos Estados Unidos. No meio de outubro, disse ter sido coordenador da ida do deputado à capital argentina.

Segundo ele, Eduardo jantou com vários políticos de direta em sua casa. "Fiz o convite a nível pessoal e ninguém sabia quem mais ia", contou. O encontro não foi registrado nas redes do deputado, mas fotos dos dois podem ser encontradas no Twitter e no Facebook.

Na live de sexta-feira, Cerimedo diz que recebeu os documentos que comprovariam uma fraude do Brasil, mas que não havia qualquer relação com a família Bolsonaro. Nas redes sociais, ele se mostra um apoiador convicto do clã, engajado durante todo o processo eleitoral em prol do presidente.

Não há menções públicas de Bolsonaro sobre o consultor, mas também nas redes sociais circulam fotos tanto do presidente quanto de Eduardo segurando bandeiras com o logo do canal "La Derecha Diario", de Cerimedo. Em um vídeo gravado na Alvorada e reproduzido no canal, Bolsonaro saúda o veículo segurando a bandeira.

A reportagem procurou as assessorias do Planalto e do deputado Eduardo Bolsonaro para confirmar as informações e saber mais sobre a relação entre eles e o argentino, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.

A reportagem também tentou um contato de Cerimedo, mas não teve sucesso.

Leia a íntegra da nota do tribunal sobre a live de Cerimedo:

"Não é verdade que os modelos anteriores das urnas eletrônicas não passaram por procedimentos de auditoria e fiscalização. Os equipamentos antigos já estão em uso desde 2010 (para as urnas modelo 2009 e 2010) e todos foram utilizadas nas Eleições 2018. Nesse período, esses modelos de urna já foram submetidos a diversas análises e auditorias, tais como a auditoria especial do PSDB em 2015 e cinco edições do teste público de segurança (2012, 2016, 2017, 2019 e 2021).

Os resultados de todas as edições do TPS estão disponíveis para consulta no endereço abaixo: https://www.justicaeleitoral.jus.br/tps/#resultados

As urnas eletrônicas modelo 2020 que ainda não estavam prontas no período de realização do TPS 2021 foram testadas pelo Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (Larc) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EP-USP), além de ter o conjunto de softwares avaliado também pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Nas três avaliações, não foi encontrada nenhuma fragilidade ou mesmo indício de vulnerabilidade. O software em uso nos equipamentos antigos é o mesmo empregado nos equipamentos mais novos (UE2020), cujo sistema foi amplamente aberto para auditoria dentro e fora do TSE desde 2021. O relatório elaborado pela instituição pode ser encontrado no seguinte link: https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Agosto/universidades-validam-nova-urna-e-codigos-fonte-dos-sistemas-eleitorais-357621

Por fim, ressalta-se que todas as urnas são auditadas e ela é um hardware, ou seja, é um aparelho. O que importa é o que roda dentro dela, ou seja, o programa, que ficou aberto por um ano para todas as entidades fiscalizadoras. O software da urna é único em todos os modelos, tendo sido divulgado, lacrado e assinado."