Vaivém da Defesa municia falsa narrativa de fraude eleitoral em grupos bolsonaristas

Por RENATA GALF E PAULA SOPRANA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A militância bolsonarista que se recusa a aceitar o resultado da eleição esperava ansiosa pelo relatório de fiscalização do processo eleitoral do Ministério da Defesa. A expectativa era a de que seria a comprovação final de que o pleito teria sido fraudado.

Com linguagem bastante técnica e sem uma conclusão de fácil entendimento, o relatório inicialmente gerou uma onda de descontentamento nos grupos. "Acovardaram", "Forças armadas tirou o corpo fora", "resumo da ópera, não vai dar em nada", era o tom de muitas mensagens, em meio a manifestações mais esparsas em defesa dos militares.

Divulgado nesta quarta-feira (9), o documento fez críticas e pediu investigação, mas não trouxe qualquer indício de fraude. Ao longo das horas, diferentes mensagens passaram a ser divulgadas explorando os trechos dos relatórios e buscando organizar o discurso. A mais eficiente delas, entretanto, veio não dos influenciadores e sites bolsonaristas, mas de uma nota do próprio Ministério da Defesa publicada na manhã desta quinta (10).

"Relatório das Forças Armadas não excluiu a possibilidade de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas", diz o comunicado que foi publicado no site da pasta e também em seu canal no Telegram, permitindo o rápido compartilhamento entre os usuários do aplicativo.

O tom é bastante diferente do que foi publicado na véspera, em que o teor do documento sequer era mencionado:

"Defesa encaminha ao TSE relatório de fiscalização do sistema eletrônico de votação". A nota não trouxe nenhuma informação nova, mas com linguagem direta deu força e munição para a narrativa de que as eleições não teriam sido isentas.

Um vídeo da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), que passou a ser divulgado nos grupos, também foi importante para simplificar a mensagem e organizar a narrativa a respeito do relatório.

"O relatório nada mais é que um aviso de que temos todas as cartas. Ou o TSE entrega o código-fonte ou as Forças Armadas podem agir", diz ela.

"Se o TSE não fornecer o código-fonte, prova que está escondendo algo, se fornecer, prova a sua culpa" é exemplo de mensagem que passou a circular.

De outubro de 2021 até setembro de 2022, o código-fonte da urna eletrônica ficou disponível em uma sala do TSE para análise das entidades interessadas. Esse código é o programa que dá as instruções e comandos para ela funcionar e registrar os votos. Apenas em agosto deste ano os militares solicitaram acesso ao TSE, quando fizeram sua fiscalização.

A toada dos grupos, além da busca de manter a acesa a certeza de teria havido é fraude é que a militância siga nas ruas e em frente aos quartéis, contra a derrota eleitoral, incentivando a continuidade dos atos golpistas nos próximos dias até o feriado da Proclamação da República.

Mesmo antes do documento dos militares vir a público, a diretriz era para que os atos não cessassem, seja qual fosse o conteúdo do relatório. "A ordem única é simples, muito objetiva" dizia um comunicado compartilhado: "Deveremos permanecer à frente dos quartéis!! Independentemente de qual venha a ser o conteúdo apresentado pelas FFAA"

Também foram muito compartilhadas mensagens repercutindo a fala do presidente do partido de Bolsonaro, Valdemar Costa Neto (PL) em coletiva de imprensa. "Presidente do PL não reconhece a vitória de Lula e está esperando o relatório de amanhã vem algo aí."

Os links de vídeos compartilhados na militância, após a divulgação do relatório, que ajudam a moldar as opiniões, encaram o documento como positivo e técnico.

Um outro vídeo do YouTube com o título "Jogada de Mestre, relatório coloca TSE na parede, xeque mate" consola quem ficou desanimado com o relatório das Forças Armadas e argumenta que a live do canal argentino foi fundamental para "criar o terreno" ao informar que havia dois código-fonte no sistema de urnas. Ele dá a entender que tudo é milimetricamente calculado e que tanto as Forças Armadas quanto Bolsonaro têm cartas na manga.

Já o influenciador Renato Barros, do canal Questione-se, que tem cerca de 1 milhão de assinantes, disse que a grande imprensa se precipitou em minimizar resultados do relatório, mas que quem se debruçou notou que "o pouquinho que eles conseguiram ter acesso, identificaram fragilidades graves".

Ele afirmou que há uma espera por um pronunciamento do presidente e pelos resultados das auditorias contratadas pelo PL.

Embora Bolsonaro permaneça praticamente em silêncio nas redes sociais, em seu perfil na Gettr ele tem feito uma publicação por dia. Não há, entretanto, nenhuma relacionada diretamente ao relatório das Forças Armadas.

Nos grupos, algumas mensagens eram de expectativa por uma fala de Bolsonaro.

No Twitter, o presidente publicou na terça (8) uma foto do dia do lançamento de sua candidatura à reeleição, com apoiadores vestidos de verde e amarelo e uma bandeira do Brasil ao fundo, mas não adicionou nenhuma legenda.

Nos grupos a foto foi lida como incentivo às manifestações, relembrando seu discurso na data. Uma das mensagens dizia que Bolsonaro passava mensagem enigmática, destacando a frase: "convoco todos vocês agora para que todo mundo no 7 de Setembro faz as ruas pela última vez", dita na ocasião.

No Gettr, Bolsonaro destacou nesta quinta (10) o investimento de seu governo na segurança pública. Na quarta (9), se opôs a um suposto controle da mídia, e, no dia anterior, publicou uma nota sobre o acolhimento a refugiados da Venezuela.

"Fugindo do terror do socialismo, onde pessoas são obrigadas a comer seus animais de estimação para sobreviver e fugir da violência que tomou conta de sua nação, o Brasil recebe refugiados da ditadura venezuelana."