Múcio tocou violão para Lula, teve café com Bolsonaro e tem boa interlocução com Poderes

Por JULIA CHAIB E JOSÉ MATHEUS SANTOS

BRASÍLIA, DF, E RECIFE, PE (FOLHAPRESS) - Anunciado como futuro ministro da Defesa do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), José Múcio tem boa interlocução com diversos integrantes do Judiciário e do Congresso.

Celebrado por Jair Bolsonaro (PL), que já declarou ser "apaixonado" pelo ex-ministro do TCU (Tribunal de Contas da União), Múcio tomou um café com o atual presidente no período eleitoral. Já no período em que Lula governava, ele costumava tocar violão para o então chefe do Executivo.

Afável, Múcio se aproximou de deputados jovens ao longo dos últimos anos. "Acompanhando meu mandato, fez chegar a mim um pedido de conversa. A partir daí, nos conhecemos e fomos criando uma relação de respeito", diz Marcelo Ramos (PSD-AM).

Já a deputada Perpétua Almeida (PC do B-AC), que já ocupou um cargo na Defesa e tem trânsito na área, avalia que Múcio é um nome que saberá comandar as Forças pela capacidade de articulação.

Ela afirma que o futuro ministro consegue reunir inimigos e amigos numa roda de violão. "Eu penso que ele é uma figura equilibrada, que respeita as instituições e é respeitado no meio político, jurídico e militar, tem relação com todos os campos da política."

Engenheiro civil, José Múcio Monteiro Filho, 74, é de uma família tradicional na política e no eixo empresarial em Pernambuco.

Ele é sobrinho do ex-ministro do Trabalho do governo João Goulart, Armando Monteiro Filho (1925-2018), e primo de Armando Monteiro Neto (PSDB-PE), ex-senador e ex-ministro do Desenvolvimento Econômico do governo Dilma Rousseff.

Mais de 30 anos após começar a carreira política no campo da direita, como vice-prefeito e depois prefeito de Rio Formoso (cidade de 23 mil habitantes no interior de Pernambuco), Múcio deu uma guinada na trajetória ao se aliar a Lula.

Foi líder do governo do petista na Câmara dos Deputados e, depois, ministro das Relações Institucionais.

O passado nos extintos partidos como Arena, PDS e PFL, além do PSDB, não foi impeditivo para as pontes com Lula.

A relação com o petista dentro e fora do governo fez com que José Múcio fosse indicado pelo Senado para o TCU, em 2009. À época, a base aliada de Lula se mobilizou na Casa pela indicação do então ministro das Relações Institucionais.

A estadia de 12 anos no TCU, no entanto, não impediu conflitos com o PT.

Em 2016, Múcio desagradou a setores do partido ao apontar indícios de irregularidades nas contas de Dilma. Também recomendou a rejeição das contas da petista de 2015. A ex-presidente foi afastada do cargo em um processo de impeachment no Congresso que apontava o cometimento de pedaladas fiscais.

De acordo com interlocutores, o episódio não estremeceu totalmente as pontes de Múcio com Lula. Os dois têm amigos em comum e, em momentos de dificuldade para o petista, o ex-ministro do TCU deu sinalizações que agradaram ao entorno do agora presidente eleito.

Em janeiro de 2018, José Múcio disse que temia pela possibilidade de que Lula não pudesse se lançar à Presidência.

Naquele ano, o petista foi barrado na disputa presidencial pelo TSE em razão da Lei da Ficha Limpa, pois havia sofrido condenação em segunda instância no processo do tríplex de Guarujá, posteriormente anulada.

"Se ele for impedido de ser candidato sem que haja uma prova inconteste de suas responsabilidades, do que ele está sendo acusado, quem ganhar vai ter muita dificuldade de governar. Líder político, antigamente você mandava matar ou derrotar... Vamos atualizar a frase: você para tirar a liderança dele só se for nas urnas."

José Múcio deixou o Tribunal de Contas da União no final de 2020. Ele teria pela frente mais de dois anos no órgão, mas optou por antecipar a aposentadoria.

Uma das principais missões de Múcio agora será realizar uma "desmilitarização" do governo.

Lula já disse que pretende revogar uma série de nomeações de militares que ocupam cargos civis. Durante a campanha, elaboradores do plano de governo do petista conversaram sobre criar travas para que militares pudessem assumir cargos civis.

A ideia de chamar o ex-ministro do TCU para participar do grupo da transição que trata de temas ligados à Defesa foi levada ao presidente eleito quando Lula ainda estava no Egito para a COP27, em meados de novembro.

A sugestão de incluir o amigo de longa data do petista no centro das discussões com os militares apareceu em meio a conversas de aliados de Lula com fardados e ex-comandantes da Forças Armadas.

O presidente eleito sempre expressou a preferência por um civil no comando da pasta. A constatação de pessoas próximas ao governo eleito foi que o escolhido deveria ser alguém com alta capacidade de articulação, que pudesse pacificar a relação com as Forças.

Assim que o nome de Múcio apareceu em conversas, o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim foi consultado. Jobim era o nome preferencial para assumir o ministério ao qual as Forças estão ligadas. O vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) já havia inclusive sondado Jobim sobre a possibilidade de ele chefiar novamente a pasta.

Jobim, que é ministro aposentado do STF (Supremo Tribunal Federal), rejeitou essa hipótese, mas respaldou o nome de Múcio. Pesou como elemento para o apoio a capacidade de articulação do ex-ministro do TCU.

Com a bênção de um dos principais conselheiros de Lula para a área da Defesa, dirigentes partidários consultaram o presidente eleito sobre a ideia de chamar Múcio para conversar sobre o tema.

Ainda na semana em que Lula estava no Egito, Múcio conversou com Gleisi Hoffmann, presidente do PT, e com o ex-ministro Aloizio Mercadante.

Ainda resistente a assumir a pasta, o ex-ministro do TCU chegou a sugerir o nome de Aldo Rebelo, que também já comandou o ministério. Aldo, porém, enfrenta forte resistência de petistas.

Desde então, Múcio passou a conversar com integrantes do Ministério da Defesa e se reuniu com ex-comandantes das Forças.

Enquanto isso, aliados articulavam um encontro entre Lula e o ex-ministro do TCU. Uma primeira reunião foi adiada devido a uma cirurgia a que Lula se submeteu.

Na semana passada, Lula teve duas conversas com Múcio. Uma a sós e outra com a presença de ex-comandantes das Forças e Mercadante. Nesta semana, novo encontro, desta vez com o senador e ex-ministro da Defesa Jaques Wagner (PT).

Segundo relatos, Lula disse a Múcio que gostaria de trabalhar com ele e que precisaria dele no governo. O ex-ministro, por sua vez, afirmou ao petista que contasse com ele para o que fosse necessário. Em 1º de dezembro, Múcio foi ao Recife para encerrar sua empresa de consultoria, para não ter impedimentos na nomeação.

A reação positiva de militares e do vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) ao nome do ex-ministro causou preocupação entre petistas, mas não a ponto de fazer Lula mudar de ideia.

Aliados de Múcio e também de Lula dizem que ele terá a missão de pacificar e despolitizar as Forças, que ocuparam uma série de cargos no governo Bolsonaro.

Há uma expectativa entre petistas que o ex-ministro do TCU possa ter uma posição de 'multiuso' na Esplanada.

Foi sugerido a Múcio que, uma vez anunciado para o cargo, ele atue para nomear um secretário-executivo civil de peso, que possa ter cacife para conversar com os militares. Dessa forma, o ex-ministro teria um braço direito de confiança que lhe daria tempo para aconselhar Lula em questões políticas.