Padre que rezou com Bolsonaro incita atos antidemocráticos

Por PAULA SOPRANA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um dia após rezar no Palácio do Alvorada ao lado de Jair Bolsonaro (PL), o padre Genésio Lamunier Ramos, conhecido da militância bolsonarista e ligado à Diocese de Anápolis (GO), incitou a militância a "parar o Brasil" nos próximos dias, segundo um vídeo gravado no acampamento de teor golpista em Brasília.

"Todos aqueles, não só caminhoneiros, empresários, todo mundo que puder parar o Brasil e vir para as manifestações, agora é a hora", disse nesta terça-feira (13) em um QG chamado "tenda católica" e horas depois também de atos de vandalismo de apoiadores de Bolsonaro na capital federal.

"Nos grupos, peçam que venham para Brasília, que venham para o QG. Padre, e se for muita gente? Se for tanta gente, que o QG derrame. Ocupemos todas as ruas de Brasília, o recado está dado. Fomos lá, motivamos o presidente, demos a ele alegria e ele nos deu também", disse aos manifestantes que pedem golpe.

O vídeo foi feito nesta terça, segundo a locução da mulher que o gravou, e divulgado em grupos de Telegram pró-Bolsonaro.

O padre afirma que as Forças Armadas são a "última linha de defesa entre o comunismo e a sociedade de bem" e que a meta é "colocar bandidos na cadeia". "Se eu, padre, tiver que pedir bênção para bandido para viver no meu país, eu prefiro a morte."

Bolsonaro tem incitado apoiadores acampados desde a sua derrota com mensagens dúbias e citações às Forças Armadas.

Na segunda-feira (12), Genésio esteve com o chefe do Executivo e, diante da militância, pediu inteligência e coragem para que os militares "nunca prestem continência a um bandido safado". Bolsonaro acompanhou o discurso calado e rodeado por crianças. Ao fim, um menino indígena lhe ajudou a colocar um cocar na cabeça.

A reza ocorreu horas antes dos atos violentos na capital federal e no mesmo dia da diplomação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Bolsonaristas tentaram invadir o prédio da Polícia Federal, atearam fogo em carros e ônibus, depredaram postes de iluminação e tentaram derrubar um ônibus de um viaduto.

O vandalismo começou após uma ordem de prisão temporária do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), contra o indígena bolsonarista José Acácio Serere Xavante, conduzido até a sede da corporação por integrar atos antidemocráticos na capital federal e incitar a violência.

Padre Genésio aparece em outros vídeos de contas bolsonaristas. Ele tem dado conselhos aos acampados nos últimos dias. Andando pelas ruas de Brasília, pede que as pessoas permaneçam nos QGs. "Passamos 40 anos sendo roubados pela esquerda, doutrinados, imbecilizados. Persevere", recomendou a uma militante que pretende mudar o local do acampamento, onde estaria há 38 dias.

O religioso já é conhecido entre bolsonaristas e a mídia alternativa do presidente. Desde 2018, milita a favor de Bolsonaro e já declarou ter sido "curado do PT". Em 2020, foi acusado de propaganda eleitoral negativa pelo deputado estadual reeleito Antônio Gomide (PT-GO), ex-prefeito de Anápolis.

O caso foi parar no TSE, que neste ano deu decisão favorável ao padre, o isentando de pagar uma multa. Na época das disputas municipais de 2020, o padre gravou um vídeo dizendo que os eleitores deveriam fazer de tudo para evitar que o PT voltasse ao poder.

A decisão do ministro Sérgio Banhos concluiu que a fala não excedeu os limites da liberdade de expressão e que não teria sido lesiva à disputa.

Na eleição de 2018, militantes bolsonaristas também divulgaram um áudio, atribuído a Genésio, no qual ele compra uma briga com o padre Marcelo Rossi após este desmentir que seria eleitor de Bolsonaro. Na época, uma gravação falsa de Rossi defendia o atual presidente e criticava a esquerda.

"A quebradeira a que nós chegamos, Mensalão, Petrolão... E agora existe, padre, ameaça de que essa turma denunciada na Lava Jato retorne ao poder. O senhor se omite, o senhor se acovarda", diz o áudio. Genésio ainda teria chamado padre Marcelo de funcionário da Rede Globo.

A Diocese de Anápolis confirmou que o sacerdote pertence a seu quadro desde 2005. Por ora, não se manifesta sobre suas falas. A Folha não conseguiu contato com padre Genésio.