Onipresença de Janja inclui posses, reunião com governadores e mensagem à PF

Por VICTORIA AZEVEDO

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, foi presença constante nas duas primeiras semanas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Palácio do Planalto.

A socióloga assumiu um protagonismo em agendas oficiais que contrasta com suas antecessoras: compareceu a posses de ministros, participou de reunião com governadores, ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e parlamentares; e acompanhou de perto a recuperação patrimonial após os atos de vandalismo e destruição causados pelos ataques golpistas de domingo (8).

Desde a campanha, Janja tem prometido ressignificar o papel da primeira-dama e não se limitar às atribuições normalmente associadas à função, como trabalhos de assistência social. Até o momento, no entanto, não foi definido qual será seu cargo no governo.

Ao levar adiante a promessa, Janja ganhou um protagonismo no governo que gera incômodo entre alguns aliados do petista, que a veem interferindo em assuntos de governo. Apesar disso, interlocutores do presidente ponderam que a presença de Janja é uma realidade que já está posta.

As queixas vêm desde antes, da campanha e da organização da posse --o festival e momentos da solenidade foram coordenados por ela. Como a Folha mostrou, o próprio Lula avisou a esposa que a superexposição poderia fomentar críticas.

Outros defendem a socióloga e dizem que a forte presença de Janja traz uma visão mais moderna para a posição de primeira-dama. Esses aliados também apontam um componente machista nas críticas de que Janja estaria se excedendo ao marcar presença nas principais agendas de Lula.

Além do mais, defensores da primeira-dama dizem que o perfil da socióloga -uma mulher de personalidade forte que quer ter suas opiniões ouvidas-- é um ativo para o presidente.

A presença de Janja não se limita a acompanhar Lula em agendas. Por sua interlocução com o meio artístico, a ela é creditada a sugestão da ministra Margareth Menezes para chefiar a Cultura e a do número dois da pasta, Márcio Tavares.

A figura proativa rendeu a ela, entre petistas, o apelido de Evita brasileira. Em entrevista no ano passado ao Fantástico, da TV Globo, a socióloga citou a ex-primeira-dama argentina como inspiração. Na mesma conversa, também mencionou a admiração por Michelle Obama.

O papel desempenhado por Janja contrasta com o desempenhado pelas últimas primeiras-damas do país. Michelle Bolsonaro assumiu protagonismo maior durante a campanha à reeleição do marido e teve uma atuação mais ligada ao programa Pátria Voluntária (de estímulo ao trabalho voluntário) e ao apoio a pessoas com deficiência.

Michelle se envolveu diretamente em articulação política para emplacar André Mendonça na vaga do STF (Supremo Tribunal Federal). Por sua interlocução com o meio evangélico, era presença frequente em cerimônias religiosas realizadas no Planalto; e em diversas ocasiões acompanhou o marido em viagens internacionais.

Já sua antecessora, Marcela Temer, aparecia pouco ao lado do marido, o ex-presidente Michel Temer (MDB), em eventos oficiais no Planalto. Ela era embaixadora do programa Criança Feliz, voltado à primeira infância. Ficou reconhecida pela descrição "bela, recatada e do lar".

Marisa Letícia, então esposa de Lula durante seus dois primeiros mandatos, optou por não exercer cargos ao longo dos governos.

Já a antropóloga Ruth Cardoso foi nomeada presidente do conselho Comunidade Solidária, programa que fundou, no governo do marido, Fernando Henrique Cardoso. A iniciativa visava parcerias entre organizações não governamentais, universidades, empresas e governos para a construção de projetos sociais.

Rosane Collor foi presidente da LBA (Legião Brasileira de Assistência) durante o mandato de Fernando Collor (1990 - 1992), seu então marido, e enfrentou na direção da entidade acusações de desvios de verba.

A historiadora e doutora pela Universidade Federal de Goiás Dayanny Rodrigues, que estuda o primeiro-damismo há dez anos, diz que o papel e a figura social da primeira-dama foram construídos "forjados num contexto patriarcal e machista".

Ela afirma que o primeiro-damismo se dá de duas formas no decorrer do período republicano no Brasil: estratégico, quando as ações das esposas caminham emparelhadas ao projeto político do governante; e tático, quando a primeira-dama consegue se sobressair, ser protagonista e colocar em prática ações que não a deixem em segundo plano, "ainda que dentro das regras do jogo político".

"Então incomoda quando a primeira-dama dá um passo além do que esse engessamento permite", diz Dayanny.

Nessas duas semanas, Janja teve intensa atividade ao lado de Lula. Almoçou praticamente todos os dias com o presidente, hábito que, caso a agenda dos dois permita, deve seguir como algo rotineiro. Janja também deverá despachar diariamente de sua sala localizada no terceiro andar do Planalto, mesmo piso que o gabinete presidencial. Sua equipe ainda não foi inteiramente definida.

A primeira-dama acompanhou Lula e ministros do governo ainda na noite do dia 8 durante vistoria dos estragos causados pelos golpistas no Planalto e no STF. No dia seguinte, condenou os ataques nas redes sociais afirmando que "a democracia não vai se dobrar" e que o petista "não vai baixar a cabeça".

A sala de Janja foi depredada pelos vândalos que invadiram o Planalto. Mas ela despachou de lá no dia seguinte. "Nenhum vândalo, nenhum fascista nos fará parar. Meu gabinete no início da tarde já estava a todo vapor", escreveu nas redes.

Segundo relatos, a ideia é que o gabinete da primeira-dama faça articulação com pastas e ministérios que tratam de temas que são caros a Janja, como gênero, raça, direitos humanos, segurança alimentar e cultura. Ela também mantém diálogo com diplomatas da equipe do cerimonial da Presidência.

A socióloga também não poupa críticas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Na terça (10), parabenizou o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Passos, que tomou posse. "Andrei foi incansável para garantir a segurança de todos na nossa linda campanha. Com ele, a PF nunca mais será usurpada e cooptada", publicou.

No mesmo dia, prestou solidariedade à vice-presidente da Colômbia, Francia Márquez, que denunciou ter sido alvo de atentado fracassado.

Segundo interlocutores, sempre que possível Janja deverá acompanhar o presidente em agendas públicas e viagens. A primeira-dama também diz a aliados que uma de suas tarefas é zelar pelo bem-estar do petista.

Os atos de vandalismo contra o Palácio do Planalto fizeram com que Janja assumisse a liderança dos esforços de restauração. Antes mesmo da depredação, a primeira-dama já havia indicado que iria "tratar com muito carinho" o trabalho de "recomposição" do acervo e patrimônio cultural dos palácios do Planalto e Alvorada.

Em entrevista à GloboNews no dia 5, fez um giro na residência presidencial oficial para apontar danos ao espaço.

No dia seguinte aos ataques, ela agradeceu a equipe de manutenção do Planalto, referindo-se a eles como "brasileiras e brasileiros dignos de serem chamados patriotas".

Na terça (10), se reuniu com Margareth Menezes, com quem discutiu como se dará a participação da pasta na recuperação do patrimônio cultural vandalizado. Ela também compareceu à posse de Margareth no ministério na semana passada.

A primeira-dama ainda prestigiou a posse de Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria e Comércio) e de Marina Silva (Meio Ambiente), ambas na quarta-feira (4), e as de Sônia Guajajara (Povos Originários) e Anielle Franco (Igualdade Racial), na quarta (11).

Na quinta (12), compareceu à solenidade de Rita Serrano na Caixa Econômica Federal e ouviu da nova presidente um agradecimento público. Mais cedo, participou de café da manhã de Lula com jornalistas.

Segundo aliados de Janja, sempre que ela for convidada, irá participar de reuniões com autoridades, como fez durante a campanha e a transição de governo e, mais recentemente, no encontro de Lula com governadores, ministros do STF e do governo. Após a reunião, desceu a rampa do Planalto de braços dados com o presidente e seguiu a pé até o Supremo.

Na primeira reunião ministerial do governo Lula, na sexta (6), entrou na sala para entregar a cada um dos 37 ministros fotos tiradas durante a posse do petista.