Chefes de cooperativas com verba pública vão a atos golpistas

Por RAQUEL LOPES

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Dirigentes de duas cooperativas que receberam investimento do governo na gestão Jair Bolsonaro (PL) participaram de atos golpistas nos últimos meses e tiveram encontros com membros da família do ex-presidente.

O caminhoneiro Eloir Dedonatti, conhecido nas redes sociais como Padre do Bolsonaro, consta na Receita Federal como diretor da Cooperativa Grão de Ouro, de Chapecó (SC). Ele se apresenta em vídeos nas redes sociais como o presidente da cooperativa.

Segundo documentos obtidos pela Folha de S.Paulo, a cooperativa recebeu cerca de R$ 200 mil em investimentos do governo federal com tanque de combustível, contêiner e cerca de 15 mil litros de diesel. O repasse ocorreu por meio do Ministério da Cidadania.

O investimento foi encaminhado através da Unicafes (União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária), que gere o projeto Roda Bem Caminhoneiro Cooperativista, do Ministério da Cidadania. O valor total do projeto é de R$ 17,9 milhões.

O programa foi lançado no fim de 2019 pelo governo Bolsonaro. Ele visa incentivar o cooperativismo entre os caminhoneiros autônomos e melhorar a renda e qualidade de vida da categoria.

Dedonatti esteve nas paralisações em rodovias federais e em frente ao quartel-general do Exército em Brasília. Ele foi de caminhão ao local. Há vídeos e fotos publicadas nas redes sociais dele em bloqueios nas rodovias e no QG desde setembro do ano passado.

"Foi comprovada as fraudes nessa eleição, as urnas foram fraudadas. Nós precisamos ir às ruas, urgentemente para os quartéis militares e exigir que o Exército tome providência. Precisamos de uma auditoria nas urnas, urgente. Esse vagabundo desse Lula já foi 'descondenado' para virar candidato, agora ele será 'deselegido'", disse Dedonatti em um dos vídeos, de novembro do ano passado.

Dedonatti publicou um vídeo nas redes sociais em cima de um trio elétrico convocando as pessoas a irem a Brasília. Em outro vídeo, pede intervenção militar.

Ele já recebeu a visita do até então ministro da Cidadania Ronaldo Bento, na cooperativa em Santa Catarina. Nas redes, aparece em eventos ao lado do senador eleito Jorge Seif (PL), do deputado e filho de Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro (PL), e do empresário bolsonarista Luciano Hang.

O caminhoneiro foi candidato a deputado estadual por Santa Catarina. Na campanha, recebeu doação de R$ 13,8 mil do atual governador do estado, Jorginho Mello (PL).

O deputado Eduardo Bolsonaro chegou a gravar um vídeo em apoio ao candidato e mencionou o programa Roda Bem Caminhoneiro.

Eloir Dedonatti foi procurado pela Folha de S.Paulo, mas não se manifestou.

Outro dirigente de cooperativa que recebeu aporte do governo Bolsonaro é Cleomar Immich. Ele é presidente da Cooperlog Sinop (MT), que depois passou a se chamar Cootransnop (Cooperativa dos Transportes Rodoviários de Cargas de Sinop), mas manteve o mesmo CNPJ.

A cooperativa ligada a Immich recebeu cerca de R$ 200 mil em investimentos do mesmo tipo e programa.

Em setembro de 2021, Immich teve uma reunião com o próprio Bolsonaro, no Palácio do Planalto.

O encontro ocorreu quando caminhoneiros realizavam paralisações em trechos de rodovias em ao menos 15 estados. Sem apoio formal de entidades da categoria, os motoristas eram alinhados politicamente ao governo ou ligados ao agronegócio.

Parte dos manifestantes à época seguia a retórica de Bolsonaro, com ataques ao STF e defesa da destituição de ministros da corte.

Na ocasião, ao lado de deputados bolsonaristas, Immich negou que Bolsonaro tenha pedido o fim daquelas manifestações nas rodovias.

Immich também participou de bloqueios de rodovias no ano passado em Mato Grosso. Ele confirmou à Folha de S.Paulo ter estado por três dias em frente ao QG do Exército em Brasília. Ele diz que não participou dos ataques contra os três Poderes em 8 de janeiro.

"Não houve ato antidemocrático [em frente ao Exército] porque a Constituição permite a livre manifestação. Eu fui como pessoa física, não tem relação com a cooperativa que participou do programa do governo federal", disse.

"Já foi provado que a depredação [8 de janeiro] não tem relação com os defensores de Bolsonaro. Foi provado que eram infiltrados, até porque as pessoas que defendem voto impresso respeitam a Constituição", completou.

Apesar da declaração do caminhoneiro, os atos de vandalismo contra as sedes dos três Poderes em Brasília foram perpetrados por apoiadores radicalizados de Bolsonaro, sendo que muitos estavam no QG do Exército.

A Unicafes disse, em nota, que manifesta repúdio a todos os atos antidemocráticos ocorridos. Diz ainda desconhecer o envolvimento de beneficiárias do projeto em tais manifestações.

Afirma também utilizar critérios técnicos e documentais previamente publicados em seu site para a seleção de cooperativas de caminhoneiros autônomos para o programa.

"Acreditamos no cooperativismo como instrumento de organização social e econômica, bem como na necessidade de diálogo e parcerias com os governos para o alcance de seus objetivos, respeitando a autonomia das instituições e a democracia", disse a entidade.