Padilha fala em ampliar base de Lula e acena com cargos a centrão ligado a Bolsonaro

Por JULIA CHAIB E THIAGO RESENDE

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Responsável pela articulação política, o ministro Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais) diz que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) espera ampliar as alianças partidárias e, para isso, está aberto ao diálogo e não descarta indicações de cargos por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

"Já temos dez partidos e federações que indicaram pessoas, quadros, para compor esses ministérios. Acredito que nos próximos passos nós vamos ampliar o número de partidos", afirmou o ministro em entrevista à Folha de S.Paulo.

Padilha reforça que "acabou essa época de metralhar oposição" -em referência a frases do ex-presidente Bolsonaro. Segundo o ministro, Lula vai dialogar com grupos políticos que estiveram ao lado do antecessor, como PP, Republicanos e até o PL.

"E eventualmente esses partidos têm quadros que fazem parte do governo e que podem ser aproveitados, têm quadros que já compõem estruturas do governo e, se bem avaliados, podem continuar", acenou.

Às vésperas da eleição da cúpula do Congresso, o ministro garantiu que o PT, com apoio de Lula, irá apoiar as permanências de Arthur Lira (PP-AL) na presidência da Câmara e de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) no comando do Senado. Eles são os favoritos na disputa.

Segundo ele, a reforma tributária e a aprovação do novo marco fiscal são as prioridades do governo nas votações do Congresso neste primeiro semestre.

PERGUNTA- Como o governo vai agir diante dos atos de 8 de janeiro? Houve consequências, mas há expectativa de novas mudanças?

ALEXANDRE PADILHA - A decisão do presidente Lula de fazer uma intervenção federal restrita à segurança pública do Governo do Distrito Federal para que a gente pudesse tomar o controle sobre a PM, as tropas de segurança do DF, foi decisiva e cirúrgica para estancar um golpe que estava sendo orquestrado.

Eu acho que nós vivemos no 8 de janeiro, de um lado, um ato terrorista, um risco orquestrado de um golpe e, ao mesmo tempo, uma demonstração de que, quando estamos unidos e colocamos as instituições para funcionar, é possível fortalecer a democracia no país. Recuperarmos a estabilidade institucional.

O presidente Lula disse que não foi decretado a GLO [Garantia da Lei e da Ordem] porque havia um temor de que se efetivasse o golpe. Esse risco ainda se mantém, mesmo com as trocas no Exército? Se necessário, ela será usada?

A. P. - A decisão de um ato extremo, que é a intervenção federal restrita à área de segurança, foi feita porque era o melhor instrumento para conter o desmonte da atuação da Segurança Pública do DF. Foram descumpridos protocolos que estão pré-definidos. A GLO, que está prevista na Constituição, não era o mecanismo correto para aquele momento, mas pode ser o melhor instrumento para outras realidades.

Hoje, o presidente Lula confia no Exército e em militares que estavam aqui, GSI, toda a segurança do Planalto?

A. P. - Nunca teve, por parte do presidente Lula, desconfiança generalizada em relação às Forças Armadas, uma desconfiança em relação ao Exército. O que nós temos é um diagnóstico claro que um conjunto de instituições, sejam militares ou sejam civis, infelizmente, foram contaminadas pela lógica golpista antidemocrática do que nós vivemos nos últimos quatro anos. Então, você tem indivíduos que foram contaminados por isso. E cabe às instituições brasileiras apurar e punir aqueles que foram negligentes na defesa da democracia.

Qual é a base do presidente Lula no Congresso?

A. P. - O presidente Lula terá uma relação muito respeitosa, uma base ampla, não só de defesa do governo, mas principalmente de debate dos projetos. Quais são as prioridades do governo para o próximo ano, para este primeiro semestre? É o debate da reforma tributária e o debate do marco fiscal no país. Termos uma âncora fiscal sólida, previsível, que dê segurança para quem quer investir no país e que ultrapasse o governo. São temas que não são temas de governo e oposição.

Isso significa procurar integrantes do PL, que é o partido do Bolsonaro?

A. P. - Desde que fui anunciado ministro, tenho procurado conversar com todos, inclusive a oposição.

Por que ainda não saiu grande parte das nomeações de segundo e terceiro escalão? Quando elas vão ocorrer?

A. P. - Há um processo de avaliação das pessoas, de diálogo com segmentos econômicos, com segmentos sociais, com partidos políticos. Nós recriamos ministérios, sem aumentar custos, foi remanejamento dos cargos, que terminou agora. Então vamos começar a poder fazer as nomeações. É o tempo de um de um governo que está sendo reestruturado.

Partidos que não indicaram para o primeiro escalão podem indicar para o segundo escalão?

A. P. - Com certeza, estamos abertos, dialogando permanentemente com isso.

Quais partidos?

A. P. - Partidos que apoiaram o presidente Lula na eleição no segundo turno. Eventuais partidos que não apoiaram, mas que estão sinalizando o interesse de participar do governo. Já temos dez partidos e federações que indicaram pessoas quadros para compor esses ministérios. Acredito que nos próximos passos nós vamos ampliar números de partidos.

E tem partidos que se declararam de oposição ou independente. Nós respeitamos isso. Por mais que nós queiramos construir uma relação muito positiva com o PL, que é do presidente que saiu [Bolsonaro], eu absolutamente compreendo que não tenha interesse em indicar quadros para o governo. A era de que um presidente da República diz que vai fuzilar oposição acabou. Acabou essa época de metralhar oposição.

E a ala lulista dos partidos que eram mais próximos de Bolsonaro?

A. P. - PP, PL e Republicanos são partidos que estavam no núcleo do governo que saiu. Respeito plenamente a posição deles de estarem agora fora do governo, mas estamos absolutamente abertos para o diálogo sobre temas que são do interesse do país. E eventualmente esses partidos têm quadros que fazem parte do governo e que podem ser aproveitados, têm quadros que já compõem estruturas do governo e, se bem avaliados, podem continuar.

O senhor conversou recentemente com os presidentes do PL, Valdemar Costa Neto, e do PP, Ciro Nogueira?

A. P. - São pessoas com as quais eu sempre conversei, antes, depois e durante [as eleições]. Já tivemos conversas presenciais, outras por telefone. Converso permanentemente com todas as lideranças, inclusive dos partidos de oposição. E vamos continuar conversando.

Se partidos como PP e Republicanos pedirem espaço no primeiro escalão como condição para aderir ao governo, isso será atendido?

A. P. - Tem que ver o que se fala sobre isso. Quando você monta um governo, ele tem que estar sempre aberto a dialogar.

Mas o governo está aberto para uma reforma ministerial para acomodar mais partidos?

A. P. - A gente acabou de começar o governo. Nós estamos felizes com os ministros e ministras que estão no governo. Governo não é corrida de 100 metros. Governo é maratona.

A União Brasil indicou a ministra do Turismo, Daniela Carneiro, que, como mostrou a Folha de S.Paulo, tem relações políticas com milicianos, alvo de críticas por opositores e até petistas. Além disso, o partido quer mais espaço no segundo escalão (FNDE, Banco do Nordeste, Codevasf, Dnocs, e outros). Quanto esse partido vai entregar de votos em relação ao espaço da sigla?

A. P. - Primeiro, eu quero afirmar que nada que foi publicado, até este momento, desabona ela para ser ministra do Turismo. Segundo, não é só União Brasil. Todos os partidos, inclusive o PT, querem poder indicar mais quadros políticos e técnicos. Isso é natural. A relação com o Congresso Nacional nós vamos conduzindo ao longo das votações.

Partidos que não entregarem votos podem perder espaço?

A. P. - A avaliação de quem está no governo é uma, se estão cumprindo com as expectativas do presidente e do governo em relação às políticas públicas. E nós temos outros instrumentos de avaliação na relação com o Congresso Nacional.

Mas quantos votos o governo têm hoje no Congresso?

A. P. - As questões cruciais que vamos votar no Congresso Nacional são temas que envolvem partidos da base e da oposição.

Que papel as emendas parlamentares terão no novo governo Lula?

A. P. - O papel das emendas para mim é permitir que cada parlamentar possa colaborar para resolver os problemas da população. A governabilidade se consolida com o diálogo com o Congresso Nacional, governadores e prefeitos, e com a sociedade através da recriação do Conselhão.

Qual será a relação do governo com os futuros presidentes da Câmara e do Senado?

A. P. - Não existirá por parte do governo federal qualquer atitude de intervenção no debate interno da Câmara e do Senado na eleição da presidência. O PT já declarou apoio ao Lira e ao Rodrigo Pacheco e o PT vai cumprir com aquilo que declarou. O PT honra com seus compromissos. A relação será a melhor possível de muito respeito institucional. Como já foi na transição, quando Lira e Pacheco ajudaram na PEC.

Lira ficou fortalecido no governo Bolsonaro. Alguns políticos diziam que ele era uma espécie de primeiro-ministro. O governo quer mudar essa relação?

A. P. - Lira e [Rodrigo] Maia tiveram postura de presidentes da Câmara. Acredito que tanto Lira como Pacheco, se reeleitos, terão com o governo federal e com esse ministério [Relações Institucionais] a relação institucional que cabe a eles.

Acho que o fortalecimento da atuação deles se dará pelo respeito que terão do presidente Lula e do governo federal nessa relação. Tanto Lira e Pacheco, como qualquer outro presidente que venha a acontecer nesses quatro anos, porque teremos outro biênio, estarão fortalecidos porque terão do governo federal uma relação de profundo respeito institucional.

Opositores de Lula dizem que o governo retomou o toma lá dá cá, por ter negociado cargos no Executivo. Há receio de que os cargos sejam usados em benefício próprio e haja casos corrupção?

A. P. - No mundo inteiro, em países democráticos, os governos são montados ouvindo os partidos políticos, segmentos sociais e econômicos, buscando quadros indicados por essas instituições e por esses movimentos.

O que fortalece as instituições de combate a corrupção é a Polícia Federal voltar a ter autonomia, e não o delegado ser trocado porque vai investigar algum membro da família do presidente, como aconteceu no governo anterior. É a CGU voltar a ter status de ministério, poder falar de igual para igual, com ministros e ministras e com outras esferas da administração pública federal.

RAIO-X | Alexandre Padilha, 51 anos

Médico, formado pela Unicamp. Foi ministro da SRI (Secretaria de Relações Institucionais) de Lula. Em 2011, assumiu o Ministério da Saúde na gestão Dilma Rousseff (PT) e implementou o programa Mais Médicos. Chefiou a Secretaria Municipal de Saúde do então prefeito Fernando Haddad (PT-SP) de 2015 a 2016. Em 2018, venceu a eleição para deputado federal por São Paulo, cargo para o qual foi reeleito em 2022. Em janeiro deste ano, voltou para a SRI no novo governo Lula.