Ativista boa de briga chega à Alesp e quer fim do ?coitadismo?

Por PAULA SOPRANA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Por que se eleger? Para ficar popular no Twitter com a galera da esquerda ou para fazer a diferença na vida do meu eleitor?" A deputada estadual eleita Andrea Werner (PSB-SP) usa essa reflexão como um lembrete desde que conquistou uma vaga na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).

Ativista de causas de pessoas com deficiência e ex-filiada ao PSOL, a nova parlamentar pensa sobre o estilo que adotará no jogo político: mais beligerante, já que a estridência chama a atenção nas redes sociais, ou conciliatória.

Antes do mandato, que começa no dia 15, já comprou duas brigas contra o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos). Ambas tiveram desfecho positivo, sem troca de acusações na internet. "A gritaria é válida, sim, mas em alguns momentos você consegue mais coisas por outra via. Comecei a testar a dose", diz.

Andrea ajudou a mobilizar protestos pela recriação da Secretaria de Pessoas com Deficiência, extinta na primeira versão da estrutura de governo, e chamou a atenção de Tarcísio quando ele vetou um projeto de lei que propunha validade indeterminada para laudos que atestavam transtorno do espectro autista.

A argumentação do governo dizia que o autismo em crianças poderia passar ?foi um dos primeiros erros autodeclarados pela gestão Tarcísio.

"Isso não existe, governador. A criança pode melhorar, adquirir habilidades sociais e muita autonomia, de forma que ela nem pareça ser autista. Mas ela vai continuar sendo autista", disse a deputada em vídeo.

O Executivo voltou atrás. O governador se retratou nas redes sociais ("Erramos", escreveu), e Andrea recebeu uma ligação da Secretaria da Saúde com um pedido de desculpa e a justificativa de que o projeto estava engavetado desde 2020. Uma reunião foi marcada nos dias seguintes, e "as portas na pasta estão abertas".

Eleita com 88,7 mil votos, Andrea é cotada para assumir a presidência da Comissão de Pessoas com Deficiência da Alesp. O maior gargalo do setor, diz, não é a ausência de leis, mas a falta de fiscalização sobre as que já existem.

"Se as leis que já temos fossem cumpridas, com escolas preparadas para alunos com deficiência e mediadores treinados dentro das salas de aula, estaríamos no paraíso".

Apesar de novata na política institucional, a jornalista de 47 anos é uma voz importante na causa das pessoas com deficiência, em especial o autismo. Ela é mãe de Theo, 14, diagnosticado com o transtorno aos 2.

No ano passado, militou contra o chamado rol taxativo. Decisão do Superior Tribunal de Justiça reduzira as obrigações de financiamento de remédios e tratamentos pelos planos de saúde. A medida traria prejuízos a pessoas com doenças raras.

Andrea e outros familiares de pacientes se algemaram em protesto em frente à corte. Depois, articularam-se em torno de um projeto de lei para acabar com o rol taxativo. Com relatoria do senador Romário (PL-RJ), ele foi aprovado e virou lei em setembro, vencendo o lobby de operadoras.

"Os parlamentares já sabiam quem eu era porque denunciava nas redes sociais todos que estivessem se articulando com planos de saúde. Mexi com gente grande e virei temida no Congresso", diz.

Até um pedido de desculpa em vídeo ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ela gravou por sugestão de aliados. Seus discursos tentavam constranger parlamentares.

"Alguns senadores e senadoras são candidatos, e outros estão razoavelmente tranquilos, pois só vão concorrer à reeleição daqui a quatro anos. No entanto, uma mãe jamais vai esquecer o nome e o rosto de alguém que tentou tirar o oxigênio do filho dela, nem em 50 anos", disse em ato no Senado, às vésperas da eleição.

Recebeu várias mensagens de ódio e intimidação. É o que a faz recalcular a estratégia de comunicação agora.

Uma das primeiras pessoas a notar Andrea como política em potencial foi o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL). Após vê-la em um seminário na Alesp em 2018, a convidou para concorrer a deputada federal no mesmo ano.

"Ela fez uma intervenção boa, cheia de dados. Ela é muito preparada", diz Giannazi. "Eu expliquei como funcionava o PSOL para ver se ela gostaria de se filiar a um partido de enfrentamento, de combate, que não faz alianças", lembra o deputado. Ela pensou um pouco e topou.

Andrea sempre se alinhou mais à esquerda, mas diz que "esquerdou de vez" por volta de 2016, quando morava na Suécia. "Ver homem empurrando carrinho de bebê sozinho na rua pira qualquer uma, né? Uma vez eu vi num café três homens numa mesinha, cada um com seu carrinho de bebê ao lado. Foi uma cena inesquecível."

Na Suécia, homens dividem com as mulheres a licença parental, que é de 480 dias ?eles são obrigados a tirar ao menos três meses. No Brasil, a licença para os pais é de cinco dias corridos.

Com o PSOL, Andrea ficou na segunda suplência de deputada federal, com cerca de 43 mil votos. Dois anos depois, tentou uma vaga de vereadora na Câmara de São Paulo. Sem conseguir a segunda eleição, quis abandonar a política.

Direcionou esforços para criar o Instituto Lagarta Vira Pupa, de inclusão e apoio de pessoas com deficiência e suas famílias. O instituto (cujo nome vem de uma música do programa infantil "Cocoricó") é a continuidade do trabalho que ela desenvolve desde 2012, quando lançou um blog homônimo para escrever sobre a experiência de ser mãe atípica.

"Com o blog, passei a receber muito contato de mães, relatos muito pessoais, e notei que não tinha nada sobre o assunto para elas na internet naquela época", diz. Ela também lançou dois livros infantis sobre o tema e virou formadora de opinião na TV, indo a programas como os de Fátima Bernardes e Pedro Bial.

Mineira de classe média, com marido participativo e plano de saúde particular, Andrea deparou com mães solos pobres, cujos filhos dependiam do SUS, mal conseguiam diagnóstico e acesso à terapia.

"Foi o meu despertar social. As mães de pessoas com deficiência se matam por falta de política pública. Em dezembro de 2020, foram umas três. A gente precisa melhorar o apoio a essas famílias."

Andrea saiu PSOL em 2021. Após uma reunião com Márcio França (ministro de Portos e Aeroportos), ligado à pauta no PSB, trocou de legenda.

"A professora Lúcia [França], esposa dele, é profundamente ligada à pauta. Ele me prometeu apoio também. No PSOL, eu era meio perdida, a pessoa que não veio do movimento estudantil, do passe livre, que se politizou tarde".

Alguns princípios devem guiá-la no mandato, como o combate ao "coitadismo" e ao charlatanismo político em torno da pauta. "Temos que enfrentar essa caricatura de segregação da escola especial, a história do ?dinheiro para instituição que está ajudando coitadinhos?", diz.

Ela defende a manutenção de escolas especializadas (como a Apae) porque, às vezes, é a única rede de apoio de mulheres que criam seus filhos sozinhas. No longo prazo, porém, quer garantir que todas as escolas estejam aptas a receber alunos com deficiência, e que esses sejam integrados.

"A causa tem sido vista com oportunismo. Teve muito disso na eleição, pessoas se candidatando pelos autistas e pela defesa dos animais. Qual a relação de uma coisa com a outra? Só a que dá voto", afirma.