Eleito em SP quer representar ?negros que esquerda silencia?

Por LAURA MATTOS

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Ala direita, claro. Não podia ser outra a posição dele no futsal, em que jogou de forma competitiva na adolescência a ponto de ser filiado à federação. Aos 23, Guto Zacarias foi eleito deputado estadual por São Paulo, o mais novo da próxima legislatura, depois de uma campanha na qual martelou o fato de ser de direita, mesmo sendo jovem, preto e de periferia: "Quero representar os negros silenciados pela esquerda."

Um dos hits de suas redes sociais é o ataque ao que ele chama de "politicamente correto".

Em um vídeo da rede social TikTok, no qual tem 916 mil seguidores, ele traz a pergunta: "Verdade que negro só pode namorar negra?". E responde: "Homem hétero que cai nesse papinho tá fazendo um baita esforço para ser hétero", diz.

"O Brasil tem 200 milhões de pessoas. Vamos chutar que metade seja de mulheres. Vamos chutar que metade seja branca. Você não pode ficar com 50 milhões de mulheres só porque são brancas, porque o PSOL não quer, porque o Jean Wyllys acha feio?"

Guto é cria do MBL, o Movimento Brasil Livre, organização conservadora ligada à direita, formado em sua maioria por jovens, e que elegeu na última eleição apenas dois de seus integrantes, ambos pela União Brasil, o partido do ex-juiz Sergio Moro.

Além de Guto, que teve 152.481 votos, Kim Kataguiri, um dos fundadores do movimento, foi reeleito deputado federal por São Paulo.

Guto é filho de pai contador e mãe professora da rede estadual. Ambos "sempre odiaram o PT" e eram eleitores do PSDB até o engajamento do filho com o MBL.

É uma família de classe média baixa do Socorro, na periferia da zona sul da capital paulista, onde Guto e o irmão mais novo, de 19 anos, nasceram.

Os meninos estudaram em um colégio particular do bairro, mas Guto, no final do fundamental, quis se mudar para a Escola Estadual Norberto Alves Rodrigues, em que estavam seus amigos do futsal.

Ilmara Resende de Paula foi sua professora de ciências e se lembra dele como um "estudioso e educado". "Ele tinha um vocabulário diferenciado, polido, e era bom na argumentação."

No ensino médio, estudou na José Lins do Rego, também estadual, assim como outros do futebol ?a turma jogava no Kuma, time do Grajaú.

A falta de identificação com ideias esquerdistas vem "desde criancinha", diz. O pai sempre colocou nas conversas da família "uma pauta mais liberal, defendendo privatizações e responsabilidade fiscal".

Aos 16, Guto passou a seguir conteúdos do MBL e a ler autores do liberalismo econômico apontados pelo movimento como suas referências, como Friedrich Hayek e Ludwig von Mises. Também se tornou leitor de Nelson Rodrigues, que diz admirar por ser um conservador e por suas posições políticas mais à direita.

Amigo de infância e seu colega do Kuma e do ensino médio, Matheus Henrique de Lima, 23, conta que, na escola, ele e Guto chegaram a cogitar concorrer para o grêmio estudantil, apesar de a maioria dos integrantes ser simpática às ideias de esquerda.

Era a época da ocupação das escolas por estudantes (2015/2016), que reivindicavam participar das decisões de um projeto de reorganização escolar do governo estadual. "Desistimos porque todas as chapas eram favoráveis à ocupação, e nós, totalmente contra."

Apesar da dificuldade de se engajar politicamente na escola, Guto usava "essa lábia da política, essa conversa mole do convencimento, com as meninas", conta Matheus, rindo. "Sempre foi xavequeiro."

Foi nessa época que entrou para o MBL. Em um ano se tornou coordenador do movimento na capital paulista.

Em 2018, trabalhou na campanha de Kim Kataguiri e de Arthur do Val, ambos eleitos, o primeiro como deputado federal e o segundo, estadual.

Tornou-se estagiário e depois assessor de Arthur do Val, acompanhando de perto todas as polêmicas nas quais o político se envolveu, até a sua cassação em razão de áudios vazados nos quais fala de uma viagem supostamente para ajuda humanitária à Ucrânia, em que diz, sobre refugiadas da guerra, que as "minas" ucranianas "são fáceis porque são pobres".

Foi quando Guto virou coordenador nacional do MBL para logo dar início à sua campanha. Com as atividades políticas, desenvolveu uma relação de idas e vindas com o ensino superior. Cursou dois semestres de direito na FMU, no campus da Liberdade, e depois trocou para economia, que trancou para se dedicar ao trabalho com Arthur do Val e depois à sua própria campanha.

Na faculdade, "o ambiente é mais propício à militância de esquerda". "A esquerda chega nos jovens com mais facilidade, é mais ?cool?. E a direita no Brasil está se confundindo com o bolsonarismo, que é muito chato", disse Guto, em entrevista à Folha, na sede do MBL, em um prédio no Morumbi (zona sul).

"Jamais gostei do bolsonarismo, dessa galera que flerta com o golpe de 1964. Sempre foi claro para mim: A ditadura militar é uma porcaria e o PT é uma porcaria, ok?"

É contrário às cotas para negros nas universidades. Defende cotas sociais, ou seja, que considerem as condições socioeconômicas.

Para ele, o problema dos negros é o mesmo dos brancos de baixa renda: a qualidade da educação básica. "Como a maioria dos negros estuda em escola pública, acaba sendo a minoria na universidade."

Para ele, as cotas raciais não vão favorecer "o negro do Grajaú que está tentando entrar em medicina na USP, e sim o que conseguiu fazer cursinho, que tem mais dinheiro".

Essa posição está atrelada à sua descrença no racismo estrutural. Pretos devem driblar o racismo, ele defende, "qualificando-se ao máximo, aprendendo ao máximo, sendo gentil ao máximo com todos".

O "politicamente correto" é uma "histeria coletiva" que afasta os negros da esquerda, diz.

"Os pretos não têm saneamento básico, estão tomando água suja, e o PSOL está discutindo que uma loira não pode usar trança...", comenta, sobre a ideia da apropriação cultural da cultura negra por brancos.

Entre as promessas de campanha estão a defesa do ensino de educação financeira nas escolas e a de que ele vai recusar os privilégios concedidos aos deputados, como carro, auxílio-moradia e seguro saúde, além de apoiar o fim desse gasto.

"O Estado não pode pagar para um deputado ter um convênio. Não dá pra dona Ana do Capão Redondo bancar isso", diz ele, que até os 21, como a mãe é professora do estado, contou com o Iamspe (sistema de saúde para servidores públicos) e hoje tem seguro particular.

Desdenha também do machismo estrutural. Em um vídeo, conversa com um rapaz que tenta convencê-lo de que todo homem é machista e passa o tempo todo respondendo: "Eu não sou machista".

Na despedida desta entrevista com a Folha, a reportagem comentou o fato de, no escritório do MBL, só ter visto rapazes, em torno de 15, e provocou Guto, em tom informal: "O MBL deveria ter cotas para mulheres, hein?" Ele riu.