Governo Lula expõe bate-cabeça ao desautorizar ministros 4 vezes antes dos 100 dias

Por JULIA CHAIB E MARIANNA HOLANDA

BRASÍLA, DF (FOLHAPRESS) - Ao longo dos cem primeiros dias, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) protagonizou ao menos quatro episódios públicos de bate-cabeça, em que ministros foram desautorizados pelo próprio presidente ou por integrantes do Palácio do Planalto.

No caso mais recente, Lula desautorizou o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia). Na quinta-feira (6), durante café com jornalistas, o presidente afirmou ter "sido pego de surpresa" pelas declarações do auxiliar de que a Petrobras adotaria uma nova política de preços.

Segundo anúncio feito por Silveira no dia anterior, quarta-feira (5), a estatal passaria a usar o modelo de PCI (preço de competitividade interna), o que levaria à redução do preço do diesel em até R$ 0,25 por litro.

A declaração irritou investidores e a direção da Petrobras, que chegou a divulgar uma nota para dizer que "não recebeu nenhuma proposta do Ministério das Minas e Energia". Informou ainda que eventuais mudanças na política de preços "serão comunicadas oportunamente ao mercado, e conduzidas pelos mecanismos habituais de governança interna da companhia".

Lula disse a jornalistas no Palácio do Planalto que haverá mudança no cálculo dos preços, mas que caberá ao presidente pautar a discussão.

"A política de preços da Petrobras será discutida pelo governo no momento em que o presidente da República convocar o governo para discutir a política de preços", declarou. "Enquanto o presidente da República não convocar o governo para discutir política de preços, a gente não vai mudar o que está funcionando hoje."

Integrantes do governo dizem que ruídos são naturais no início de gestão e atribuem parte deles ao fato de que alguns ministros estão afastados da administração pública há muito tempo.

Outra hipótese é a de que esses ruídos estariam ocorrendo justamente pelo oposto: excesso de nomes experientes na equipe.

Dos 37 ministros de Lula, 9 são ex-governadores. Ministros palacianos ponderam que este grupo estava acostumado a dar a palavra final nas medidas que implantavam nos respectivos estados e agora precisam se acostumar a aguardar o aval de Lula para tocarem projetos.

Antes da autorização do presidente, a equipe precisa subordinar as ideias de políticas públicas ao ministro Rui Costa (Casa Civil), o que também já foi motivo de desconfortos internos.

Desde a campanha, Lula tem dito em reuniões que entende que todos são "craques" e têm o próprio brilho, mas que no governo é preciso jogar em equipe.

A forma de minimizar os choques públicos que o presidente encontrou e busca colocar em prática é centralizar as decisões e a divulgação de medidas no Palácio do Planalto.

O receio é que anúncios feitos sem estarem em acordo com o núcleo político da gestão gerem desgastes com o mercado e com o Congresso Nacional e passem a impressão de que Lula não tem as rédeas da própria equipe.

Por isso, a ideia é que nenhum ministro anuncie uma proposta antes que ela tenha tido consentimento expresso da Casa Civil e do presidente.

Da mesma maneira, a estratégia de comunicação de cada pasta precisa ser ao menos informada à Secretaria de Comunicação Social, chefiada pelo ministro Paulo Pimenta.

A orientação é que os projetos sejam divulgados como sendo de autoria do governo e de Lula e não de um ministro específico. Em um esforço para evitar novos episódios de bate-cabeça, Lula tem enfatizado essa orientação em reuniões.

Antes de desautorizar publicamente Alexandre Silveira, em 14 de março, o presidente fez uma cobrança a todos os seus ministros em declaração que foi transmitida publicamente durante uma reunião.

Sem citar nomes, pediu que ministros que sejam autores de alguma "genialidade" as apresentassem para que recebam o trâmite adequado.

"Não queremos propostas de ministros. Todas as propostas de ministros deverão ser transformadas em propostas de governo, e só será transformada em proposta de governo quando todo mundo souber o que vai ser decidido", afirmou o presidente.

A bronca foi um recado velado aos ministros Márcio França (Portos e Aeroportos) e Carlos Lupi (Previdência).

Dois dias antes da reunião, França havia anunciado um programa que funcionaria a partir de acordo com companhias aéreas, de modo que seria possível vender passagens a R$ 200 o trecho a aposentados, estudantes e servidores públicos.

Isso seria viabilizado com a ocupação de assentos ociosos em voos de carreira. A divulgação foi feita em entrevista ao jornal Correio Braziliense.

Já Lupi havia determinado, em 13 de março, a redução do teto dos juros do empréstimo consignado do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), de 2,14% para 1,7%,

A medida contrariou o ministro Fernando Haddad (Fazenda) e ainda estava sendo discutida com o Palácio do Planalto.

Na Previdência, o entendimento era de que Rui Costa e o próprio Lula já haviam autorizado a medida, quando, na verdade, o presidente tinha dado aval para que a pasta pudesse ir adiante nos estudos para então ser apresentada posteriormente, no caso de ser viável.

No dia 21 de março, após dar um pito nos ministros, Lula afirmou ser favorável à medida, mas ponderou que ela foi feita de forma equivocada, sem a devida discussão com a Fazenda e o núcleo político do governo.

Esta foi a segunda reprimenda feita a Lupi. Logo no início do governo, o ministro anunciou que mudaria a reforma da Previdência.

No dia seguinte, ele foi desautorizado por Rui Costa, que disse, na ocasião, que qualquer medida daquele tipo passaria pela Casa Civil. Da mesma forma, disse que nenhuma proposta iria adiante sem o aval do presidente da República.

"Não há nenhuma proposta sendo analisada e pensada neste momento para revisão de reforma, seja previdenciária ou outra. Neste momento não tem nada sendo elaborado", afirmou Costa.

Como a Folha de S.Paulo mostrou, o governo Lula 3 chega aos 100 dias de mandato com derrapagens na comunicação, e aliados em busca de fazer ajustes. Além das "genialidades" de ministros e desautorizações públicas, houve falas polêmicas do próprio chefe do Executivo.