Pacote antigolpismo empaca no Planalto e só regulação das redes anda no Congresso
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Quase três meses depois de o Ministério da Justiça e Segurança Pública apresentar à Presidência um pacote de medidas em resposta aos ataques golpistas de 8 de janeiro, apenas um dos temas avançou, com o projeto de lei das fake news.
As demais propostas, como a de criar uma guarda nacional para a Esplanada e a praça dos Três Poderes e o endurecimento de punições para quem atenta contra o Estado democrático de Direito, estão ainda paradas, sob análise da Casa Civil.
Os ministérios oficialmente negam à Folha que tenha havido abandono das propostas. Eles dizem que os textos precisam de análises minuciosas.
De acordo com integrantes do Executivo, foi dada prioridade ao que havia de principal dentre as propostas: a regulação das redes sociais.
Esse assunto teve um caminho facilitado porque havia propostas nesse sentido já em tramitação no Congresso Nacional, sob a relatoria de um deputado aliado, Orlando Silva (PC do B-SP).
A gestão Lula preferiu incorporar sugestões ao PL das Fake News em vez de dar início a uma nova tramitação. A última versão do governo foi encaminhada em 30 de março, após o ataque a uma escola estadual de São Paulo que resultou na morte de uma professora.
O texto do Executivo inclui, por exemplo, um capítulo inteiro para a proteção de crianças e adolescentes, que exige a adoção de medidas adequadas e proporcionais para assegurar um nível elevado de privacidade, proteção de dados e segurança.
A ideia é que o relator do projeto incorpore a seu parecer algumas das sugestões encaminhadas pelo governo. Segundo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a expectativa é que o projeto seja votado nos dias 26 e 27 deste mês.
Auxiliares palacianos fizeram questão de ressaltar que os ajustes encaminhados para o texto de Orlando Silva tiveram o envolvimento de diversas pastas, não só da Justiça e Segurança Pública.
Casa Civil, SRI (Secretaria de Relações Institucionais) e Secom (Secretaria de Comunicação Social) estão trabalhando nisso conjuntamente com o ministério de Flávio Dino.
O governo busca priorizar no Congresso, além das medidas provisórias que estão prestes a caducar, a pauta econômica, com o arcabouço fiscal e a reforma tributária. Não é do interesse do Planalto que muitos projetos com potencial de causar ruídos passem a tramitar nas Casas agora, momento em que o governo não conta com uma base consolidada.
Um dos receios é que esses temas, com certa dose de polêmica e que trazem a polarização política de volta à tona, podem resultar na perda de votos importantes para a aprovação da pauta da equipe econômica.
A avaliação de interlocutores palacianos é a de que, em um mês, o Planalto saberá mais precisamente quantos votos têm no Congresso. Até lá, trabalha para acelerar a distribuição de cargos do segundo e do terceiro escalões para partidos do centrão.
Pressionado para apresentar respostas após os ataques golpistas de 8 de janeiro realizados por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Flávio Dino entregou ao Planalto um conjunto de dois projetos de lei, uma medida provisória e uma PEC (proposta de emenda à Constituição).
São eles: criação de uma guarda nacional responsável pela proteção da Esplanada e da praça dos Três Poderes; regulamentação das redes sociais, sob o argumento de que é preciso evitar que a internet seja usada para disseminar conteúdos de teor antidemocrático; endurecimento de punições para quem atenta contra o Estado democrático de Direito; e agilizar o processo de perda de bens após decisões judiciais.
Desde então, foi criado um grupo para analisar as medidas na Casa Civil. Auxiliares palacianos dizem, por um lado, que os textos alteram várias normas e que é preciso análise detalhada, com cuidado.
A proposta de criação da guarda nacional, por exemplo, foi prontamente criticada pela então governadora em exercício do Distrito Federal, Celina Leão (PP), que havia assumido o posto com o afastamento de Ibaneis Rocha (MDB), e pela quase totalidade dos parlamentares da capital federal.
Além disso, o governo Lula e seus aliados também buscam virar a página do 8 de janeiro, até para enterrar a tentativa da oposição de emplacar CPIs (comissões parlamentares de inquérito). Articular em favor do pacote de Dino poderia, assim, acabar tendo um efeito colateral.
Por outro lado, esses auxiliares palacianos dizem que é preciso observar o timing político para as medidas. Sem base consolidada no Congresso, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) busca partidos de centro e até integrantes de partidos da oposição "no varejo" para ajudarem o governo nas pautas centrais.
Ao mesmo tempo, a prioridade número um é garantir a análise das medidas provisórias, cujas comissões mistas geram e continuam gerando uma disputa entre Câmara e Senado.
Além disso, do ponto de vista programático, o governo precisa aprovar a nova regra fiscal, que é o cálculo que substituirá o teto de gastos, que limita o crescimento de despesas à inflação do ano anterior.
A medida é promessa de campanha do presidente Lula e deve ser enviada na próxima semana para a Câmara, após a remessa da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias).
Já apresentada pela equipe econômica de Fernando Haddad, ela propõe que o crescimento das despesas federais seja limitado a 70% do avanço das receitas projetado para o mesmo ano. Também prevê um intervalo para a meta de resultado primário a cada ano, como uma espécie de banda para flutuação.
O resultado primário é obtido a partir das receitas menos as despesas. Hoje, há uma meta única definida anualmente.
Em seguida, ainda neste semestre, o governo quer aprovar a reforma tributária, que prevê, entre outros pontos, a simplificação da cobrança. Assim, cinco tributos sobre consumo seriam transformados em um único IVA (Imposto sobre Valor Agregado).
Procurados, a Casa Civil e o Ministério da Justiça deram respostas semelhantes para justificar o pouco avanço do pacote, ressaltando a complexidade das propostas e a necessidade de uma análise mais minuciosa.
"As iniciativas citadas nos questionamentos são complexas e necessitam de discussões para que sejam amadurecidas e, posteriormente, apresentadas e implementadas", informou a Casa Civil, em nota.
A pasta comandada por Rui Costa ainda acrescenta que não houve "desistência ou abandono" dos projetos citados.
Na mesma linha, a Justiça informou que os textos enviados à Presidência dizem respeito a temas complexos, que demandam estudo e discussão interna. "Tão logo esse processo de estudo e discussão seja finalizado, o pacote será enviado ao Congresso Nacional", afirma em nota.