Abin citou conivência da PM e de militares em alerta ao GSI de Lula no dia 8/1

Por THAÍSA OLIVEIRA E CÉZAR FEITOZA

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Minutos antes da invasão e ataque às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro, a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) diz ter alertado o ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) Gonçalves Dias que vândalos afirmavam que as "forças de segurança policiais e militares" não iriam confrontá-los.

No mesmo alerta, enviado às 13h40 daquele dia, a Abin disse que, enquanto caminhavam em direção à Esplanada dos Ministérios, manifestantes pintavam o rosto como se estivessem indo para "um combate".

"Iniciado o deslocamento para a Esplanada. Há discursos inflamados com pessoas pintando o rosto com [sic] se fossem para um combate. Há entre manifestantes relatos de que as forças de segurança policiais e militares não irão confrontá-los", afirmou o alerta da Abin.

A informação está em documento, mantido sob sigilo, enviado à CCAI (Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência) do Congresso Nacional no dia 20 de janeiro.

O relatório, ao qual a Folha de S.Paulo teve acesso, é um compilado de mensagens distribuídas pelo WhatsApp entre os dias 2 e 8 de janeiro. Segundo o documento, os destinatários eram 13 órgãos ligados ao Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência) e o então ministro do GSI.

O envio de informes de inteligência via WhatsApp se tornou uma prática da Abin durante o governo Jair Bolsonaro (PL), que escanteou o sistema oficial utilizado para a distribuição desses alertas sob o pretexto de acelerar os processos.

O general GDias --como o ex-ministro do GSI é conhecido-- nega ter recebido os alertas. Em depoimento à PF (Polícia Federal), ele afirmou que só tomou conhecimento de mensagens da Abin quando reuniu as informações para responder aos questionamentos da CCAI.

O Ministério da Justiça, em nota, também disse não ter sido notificado dos informes. "Nenhum dos dirigentes da nova gestão do Ministério foi convidado a adentrar grupo de WhatsApp gerenciado pela ABIN para receber relatórios sobre golpistas e criminosos que atuaram no dia 8 de janeiro", disse a pasta.

Três avisos foram repassados somente ao ex-ministro Gonçalves Dias, conforme o relatório, todos na tarde do dia 8.

No primeiro, às 12h05, a agência disse que o deslocamento dos manifestantes entre o Quartel-General do Exército e a Esplanada dos Ministérios estava previsto para às 13h e que, apesar do "ânimo pacífico", havia relatos de pessoas que se diziam armadas.

No segundo, às 13h, a Abin informou ter identificado "discurso radical de vândalo com perfil já conhecido com ânimo exaltado".

A última mensagem enviada somente ao ex-ministro alertou para a possibilidade das forças de segurança serem coniventes com os bolsonaristas.

No dia 8, a Polícia Militar do Distrito Federal escoltou os vândalos num trajeto de quase 8 km, do Quartel-General do Exército à Esplanada dos Ministérios. A caminhada começou por volta das 13h.

O Congresso Nacional foi o primeiro a ser invadido, por volta de 14h50. Pouco depois, golpistas iniciaram a depredação do Palácio do Planalto e, por fim, do STF (Supremo Tribunal Federal) às 15h45.

Medidas mais enérgicas contra os radicais só começaram a ser tomadas após o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decretar intervenção federal na segurança do Distrito Federal.

O alerta da Abin na véspera dos ataques já havia sido revelado pela Folha de S.Paulo em 9 de janeiro.

O GSI não preparou um esquema especial de segurança para o dia. Na sexta-feira, 6 de janeiro, a Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial do órgão comunicou ao Exército que considerava a situação como "normalidade".

"No entanto, uma vez que este FDS é o primeiro do novo governo, os órgãos de inteligência estarão monitorando a capital. Qualquer mudança de cenário, informaremos de pronto", comunicou a pasta ao Comando Militar do Planalto, via WhatsApp.

Na hora em que a Abin enviou o informe sobre os relatos de possível omissão das forças de segurança, uma comitiva inicial com 36 militares do BGP tinha acabado de chegar ao Palácio do Planalto, para reforçar a segurança.

Segundo o documento da Abin, os alertas de inteligência começaram a ser repassados ao ex-ministro GDias em 6 de janeiro. Teriam recebido ainda os informes órgãos federais e do Distrito Federal, como a Secretaria de Segurança Pública e a Polícia Militar.

Em depoimento à PF, Gonçalves Dias afirmou que não recebeu relatórios da Abin sobre os atos de 8 de janeiro.

"Indagado se recebeu informações de inteligência da ABIN a respeito do aumento de fluxo de ônibus e chegada de pessoas após 6 de janeiro à BSB, [GDias] informou que não recebeu qualquer relatório de inteligência", diz trecho do depoimento.

O ex-ministro ainda disse aos investigadores que "não havia informações relevantes" nas mensagens enviadas de 2 a 7 de janeiro. Ele defendeu também que o compilado de mensagens de WhatsApp "não pode ser considerado tecnicamente um relatório de inteligência para produção de conhecimento para assessorar a decisão do gestor".

A Folha de S.Paulo procurou os advogados de Gonçalves Dias e próprio general, que não quiseram se manifestar. O GSI afirmou que o ex-ministro não recebeu os comunicados da Abin.

GDias deixou o comando do Gabinete de Segurança Institucional no último dia 19 após a divulgação de imagens dele no Palácio do Planalto durante a invasão e destruição do prédio.

As gravações do circuito interno de segurança do Planalto mostram o baixo efetivo de policiais e militares no início das invasões. A entrada do palácio, por exemplo, chegou a ficar desguarnecida por 45 minutos enquanto vândalos depredavam as vidraças, equipamentos de segurança e obras de arte dentro do prédio.

O acesso dos golpistas à porta principal do Planalto só foi dificultado pelas forças de segurança por volta de 16h, quando os militares do BGP avançaram em linha contra os vândalos. O principal meio para dispersar os golpistas foi o gás lacrimogêneo, sem necessidade de confronto direto.

Somente às 16h43 dois grupos com cerca de 100 militares do BGP deixaram o estacionamento reservado ao comboio presidencial rumo à área externa do Planalto. Parte do grupo foi para a entrada do palácio, enquanto outra se mobilizou no segundo andar do prédio e auxiliou na prisão dos vândalos.