Bolsonaro pediu sigilo sobre exame de Covid um dia após se aglomerar com aliados, mostram mensagens

Por FABIO SERAPIÃO E RANIER BRAGON

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Uma troca de mensagens entre dois assessores do gabinete de Jair Bolsonaro (PL) mostra que o então presidente fez um exame de Covid em 2021 após participar de uma manifestação com apoiadores em Brasília e teria determinado sigilo sobre o caso.

Na mesma época, ele atacava autoridades e pessoas que defendiam e praticavam o distanciamento social.

De acordo com essas conversas, o presidente manifestou sintomas de Covid na noite de 15 de maio de 2021, um sábado, dia em que participou sem máscara de aglomeração durante o ato na capital federal.

"No exame comparativo, ele está com o pulmão com 10% comprometido. Mas está bem.... dormiu a noite toda, das 21h às 5h30. Oxigenação 97! Zeitoune acha que é COVID... Pr não quer fazer exame", escreveu na manhã do dia seguinte (16 de maio) Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro.

O assessor -que teve os sigilos bancário, fiscal e telemático quebrados por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal)- se referia a Marcelo Zeitoune, um dos médicos da Presidência. "Pr" é a sigla para "presidente da República".

A mensagem foi enviada a Célio Faria, então chefe do gabinete pessoal da Presidência e que em 2022 viraria ministro da Secretaria de Governo.

Após a primeira informação, Cid mandou a Célio outra mensagem, cerca de 20 minutos depois, afirmando que Bolsonaro havia decidido fazer o exame, mas que queria "reserva absoluta".

"O laudo médico do HFA foi colocado no sistema.... Pr vai fazer o exame para evitar vazamento. Pediu reserva absoluta. Não quer divulgar que vai fazer o exame. Só se vazar o laudo". HFA é uma referência ao Hospital das Forças Armadas.

Célio Faria respondeu a Cid estar ciente e acompanhando o caso.

Às 14h32 do mesmo dia, Cid informou Célio que o exame de Bolsonaro havia dado negativo para a Covid.

No dia seguinte, na manhã de segunda-feira (17 de maio de 2021), o então presidente da República parou no cercadinho do Palácio da Alvorada, onde apoiadores faziam vigília diária, e voltou a atacar as medidas recomendadas pelos órgãos sanitários internacionais e brasileiros.

Bolsonaro elogiou o agronegócio, que havia organizado o ato em sua homenagem dois dias antes, e chamou de "idiotas" os que respeitavam o isolamento social.

"O agro realmente não parou. Tem uns idiotas aí, o 'fique em casa'. Tem alguns idiotas que até hoje ficam em casa. Se o campo tivesse ficado em casa, esse cara tinha morrido de fome, esse idiota tinha morrido de fome. Daí, ficam reclamando de tudo", disse ele.

Três dias depois, em sua live semanal, ele afirmou que tomou cloroquina quando sentiu sintomas, antes mesmo de fazer exame, em referência ao medicamento sem eficácia para a Covid e que se tornou um mantra de sua administração durante a pandemia.

"Tomei aquele negócio para combater a malária e, no dia seguinte, estava bom. E vou dizer mais: há poucos dias, estava sentindo mal e, antes mesmo de procurar o médico, -olha só que exemplo que eu estou dando- eu tomei depois aquele remédio, que estava com sintoma. Tomei, fiz exame, não estava [infectado]. Mas, por precaução, tomei. Qual o problema? Eu vou esperar sentir falta de ar para procurar um hospital?", disse Bolsonaro na live.

Os diálogos confirmam também que um ajudante de ordens de Bolsonaro morreu de Covid no início de março de 2021, informação que só veio à tona por meio do site O Antagonista, mais de dez dias depois.

Mauro Cid e Célio Faria conversam sobre a morte, o velório e a cremação.

No início deste mês, após mais de três anos e quase 7 milhões de mortes em todo o planeta, a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou que a Covid-19, pandemia mais devastadora do século 21, não era mais uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional.

A condução do governo Bolsonaro no combate ao coronavírus incluiu uma sequência de erros, como ausência de uma política organizada de controle da doença, troca em série de ministros, aposta em remédios sem eficácia, apagão de dados e atrasos na compra de vacinas, entre outros pontos.

Atualmente, o Brasil é o segundo país em número acumulado de mortes pela Covid, atrás apenas dos Estados Unidos. Desde o início da pandemia, são 702 mil mortes. Na prática, é como varrer do mapa uma capital inteira, como Cuiabá ou Aracaju, ou até 336 cidades de menor porte.

A defesa de Mauro Cid diz que só vai comentar o assunto nos autos. Já a assessoria de Bolsonaro não quis se manifestar. A Folha de S.Paulo não conseguiu contato com Célio Faria.