Deputados cobram STF e CPI contra lei usada por Tarcísio para beneficiar fazendeiros
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Deputados estaduais e federais por São Paulo têm pressionado o STF (Supremo Tribunal Federal) contra uma lei usada por Tarcísio de Freitas (Republicanos) para vender terras devolutas a fazendeiros e já levaram o assunto à CPI do MST.
O governo paulista acelerou o processo de regularização de terras, com desconto de até 90% para os ocupantes e com base em lei questionada pelo PT, conforme a Folha revelou.
As terras devolutas são áreas públicas ocupadas irregularmente que nunca tiveram uma destinação definida pelo poder público e em nenhum momento tiveram um dono particular.
A legislação foi aprovada pela Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) em 2022 e sancionada na gestão de Rodrigo Garcia (PSDB). Enquanto o agronegócio defende a medida como um meio de desenvolver as regiões, críticos do texto, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), afirmam que o programa vai legalizar a grilagem de terras, sobretudo na região do Pontal do Paranapanema.
Os acordos com a previsão do valor a ser desembolsado pelos fazendeiros passam pelo Itesp (Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo), são enviados à Secretaria de Agricultura para manifestação, e a decisão final será da Procuradoria-Geral do Estado. O Itesp argumenta que irá economizar valores com os processos.
O PT entrou com ação direta de inconstitucionalidade no STF para barrar a lei, e o assunto está nas mãos da ministra Cármen Lúcia. Até o momento, há pareceres favoráveis da PGR (Procuradoria-Geral da República) e da AGU (Advocacia-Geral da União).
Em vídeo divulgado pela Folha, o diretor-executivo do Itesp, Guilherme Piai, diz que é necessário atuar no processo "enquanto a lei está vigente".
"Agora está acontecendo uma questão política, que também foge da alçada do Itesp, que essa lei tem grandes chances de cair", afirma na gravação. Suplente de deputado federal pelo Republicanos, Piai foi cabo eleitoral de Tarcísio e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Pontal do Paranapanema, região oeste do estado, onde há frequente tensão entre movimentos de trabalhadores rurais e fazendeiros.
O deputado estadual Eduardo Suplicy (PT) enviou no dia 30 um ofício à ministra Cármen Lúcia pedindo urgência no julgamento do caso -e no qual cita reportagem da Folha. Suplicy e outros deputados que assinam o documento afirmam que a suspensão da lei pode evitar o erro histórico de renunciar a milhares de hectares de terras.
"Vale ressaltar que o destino dessas terras públicas paulistas pode também definir o destino de milhares de famílias de agricultores que precisam de uma oportunidade", diz o documento.
Até agora, os imóveis cujos acordos foram publicados no Diário Oficial são avaliados em R$ 64 milhões. O total dos descontos previstos, porém, soma R$ 50 milhões -proprietários teriam que pagar só R$ 14 milhões. Os terrenos somam 3.900 hectares, o equivalente a 25 áreas do parque Ibirapuera.
Há ainda 132 processos que não chegaram a esse estágio.
O PSOL também entrou no assunto na esfera nacional, ao pedir ao STF para participar da ação do PT como amicus curiae, fornecendo subsídios ao processo.
"Essa lei é um absurdo, só visa favorecer grandes financiadores de campanha e de sustentação política e ideológica do bolsonarismo. Mas é uma afronta à Constituição Brasileira e à Justiça no campo", disse a deputada federal Sâmia Bonfim (PSOL-SP), que articulou a inclusão do partido na ação do PT.
O partido também atua para levar o assunto para a CPI do MST, relatada por Ricardo Salles (PL-SP) e esperança do bolsonarismo para fustigar a esquerda.
A deputada federal psolista Luciene Cavalcante, por exemplo, fez um requerimento à CPI para realização de diligências em fazendas que passam pelo processo de regularização com base na nova lei e o levantamento de todas que estão prestes a isso.
O requerimento dela usa como base ofício do deputado estadual Carlos Giannazzi (PSOL) à PGE (Procuradoria-Geral do Estado) datado de 9 de maio, no qual ele argumenta que a lei "não apresenta conformidade com o ordenamento jurídico que trata das questões agrárias, bens públicos, licitatórias, pois é um exemplo da inconstitucionalidade útil, criando uma janela para a alienação das terras devolutas até a apreciação de sua constitucionalidade, o que já vem ocorrendo como aqui narrado".
A primeira diligência dos membros da CPI do MST foi realizada no fim do mês passado na região do Pontal do Paranapanema, com visitas a acampamentos que não pertencem ao movimento. A comissão é cenário de forte debate entre deputados que representam o agronegócio e a esquerda, favorável aos movimentos de trabalhadores rurais.
À Folha o Itesp defendeu a legislação. A fundação afirmou que, no vídeo divulgado, o diretor sugere que, enquanto a lei possibilitar, seja realizada a instrução processual para os acordos e "enfim, a retomada da segurança jurídica, da paz e do desenvolvimento".
A fundação argumenta que, em vez de perder dinheiro, irá poupar R$ 40 milhões apenas com oito desses imóveis avaliados.
"Mais adequado do que se apontar o valor de desconto dado pelo estado a estes particulares, é apontar o valor que o estado deixará de gastar com a continuidade do litígio e a necessidade de pagamento das indenizações por benfeitorias, bem como o quanto arrecadará para investimentos em políticas sociais", diz o Itesp, em nota.
O órgão menciona propriedades aptas a acordo não declaradas devolutas. No Pontal do Paranapanema, 84 ações discriminam 1,2 milhão de hectares, sendo 29 julgadas improcedentes, afirma a fundação. "Portanto não há certeza de sucesso no ingresso de ações judiciais discriminatórias e o acordo para regularização evita o risco processual", diz o Itesp.