Motorista alvo da PF flagrado com dinheiro recebe de empresa contratada por Lira
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Um dos alvos da Polícia Federal flagrado recebendo dinheiro supostamente desviado de kit robótica é funcionário de uma empresa com ao menos R$ 58 milhões em contratos firmados com a Câmara dos Deputados durante a presidência de Arthur Lira (PP-AL).
Embora atue como motorista particular de Luciano Cavalcante, conhecido como principal assessor de Lira em Brasília, Wanderson Oliveira é formalmente contratado da Sollo Construções e Serviços.
Wanderson e Luciano foram alvos da Operação Hefesto, que investiga um esquema de desvios em contratos de kit robótica.
A apuração tem origem em reportagens da Folha de S.Paulo e agora está sob risco. Nesta quinta-feira (6), o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendeu a investigação.
Na decisão provisória, Gilmar também paralisou todos os procedimentos relacionados ao inquérito, como medidas de quebra de sigilos, até que o STF julgue se o caso deveria ser de competência do tribunal. A decisão tem efeito imediato.
De acordo com a investigação, o motorista chegou a ser flagrado pela PF recebendo valores em espécie de um casal de Brasília, apontado, pelos investigados, como responsável por realizar entregas de dinheiro supostamente desviados de contratos de kit robótica fraudados.
Durante busca e apreensão em endereços ligados a Wanderson, a PF encontrou o contracheque dele com pagamentos recebidos da Sollo Construções e Serviços e um crachá de terceirizado da Câmara.
O advogado André Callegari, que defende Wanderson, diz que ele é motorista da Sollo, empresa que "contrata os motoristas terceirizados da Câmara dos Deputados e não há nenhuma conduta ilícita nessa contratação".
Procurado, Arthur Lira não quis se manifestar.
A Câmara inicialmente negou existir qualquer funcionário terceirizado chamado Wanderson, em um primeiro momento. Confrontada com a existência do crachá em nome do motorista, a assessoria de imprensa da Casa enviou nova resposta.
"Wanderson Ribeiro é motorista ferista contratado pela empresa Sollo e atua na eventualidade de ausências e afastamentos de outros motoristas, razão pela qual inicialmente não foi identificado como colaborador."
O contracheque encontrado de Wanderson chamou a atenção dos investigadores uma vez que ele afirmou durante a busca e apreensão que Luciano Cavalcante era seu chefe.
A versão dada por ele, de que trabalha para o assessor de Lira, é considerada por policiais a mais verossímil, uma vez que a investigação mostrou que ele desempenha a função de motorista para Luciano, com um carro em seu nome e não em nome da Sollo.
Conforme o Portal da Transparência da Câmara, a Sollo começou a ser contratada no ano em que Lira se tornou presidente da Casa, em 2021. Desde então, a empresa ganhou três contratos que, somados, alcançam ao menos R$ 58 milhões.
Os objetos das contratações são de "prestação de serviços continuados nas áreas de limpeza e conservação nos edifícios anexos", "conservação, portaria e garagem de apartamentos funcionais" e "serviços continuados por alocação de postos de trabalho na área de mensageria".
Embora apareça como funcionário da empresa terceirizada contratada pela Câmara, a PF diz existir "fortes indicativos de que Wanderson seja laranja consciente de Luciano Cavalcante e Glaucia Vasconcelos [mulher de Luciano], além de executar diversas tarefas a mando de Luciano, notadamente pagamentos".
Além do contracheque da Sollo, a PF também encontrou com Wanderson dinheiro e anotações sobre pagamentos de contas atreladas a Lira, como revelou a revista Piauí.
As anotações, segundo aponta a apuração, eram parte de um controle de movimentações financeiras relacionadas ao presidente da Câmara feito por Luciano Cavalcante.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, uma lista encontrada com Cavalcante mostra pagamentos relacionados a várias instâncias da vida pessoal e política do presidente da Câmara. O documento inclui compras de bebidas, como vinhos e uísque, gastos com preparativos de festas, consertos de carros e até a compra de leite para o "Bill", como é conhecido o pai de Lira, Benedito.
Após encontrar as citações a "Arthur", o caso foi enviado para o STF (Supremo Tribunal Federal).
Em monitoramento durante as investigações, Wanderson Oliveira foi flagrado pela PF recebendo valores em espécie em 17 de maio, dinheiro que teria sido entregue pelo casal Pedro Magno e Juliana Cristina, apontados pela PF como operadores da movimentação do dinheiro supostamente desviado.
"Após a chegada de Wanderson Ribeiro, é possível verificar nas imagens que Pedro Magno pega uma pequena mochila no banco traseiro e, na companhia do motorista de Luciano Cavalcante, vão até o interior do veículo Corolla preto que estava em posse de Wanderson", diz a PF.
Os policiais que monitoravam a entrega conseguiram perceber que Pedro e Wanderson chegam até o veículo e permanecem dentro dele por cerca de um minuto.
Nesse período, conforme relatório da corporação, "é possível afirmar que Pedro Magno deixa pacotes de dinheiro na porta luva do veículo Corolla" e, em seguida, retorna para o outro automóvel onde está sua esposa com a "bolsa aparentemente vazia".
Após deixar o carro, Wanderson entrou no hotel e foi até o apartamento de número 217. A PF foi atrás de informações sobre esse quarto do hotel e descobriu que naquele dia o hóspede era Luciano Cavalcante.
Apontado como homem de confiança e faz tudo de Arthur Lira em Brasília, ele acabou exonerado.
Uma filha dele, inclusive, é sócia do filho de Lira em uma empresa de intermediação de negócios de publicidade com os principais órgãos do governo federal e em bancos públicos.
Dados obtidos com base na Lei de Acesso à Informação mostram que empresas de mídia representadas pela Omnia, empresa com os filhos dos dois como sócios, receberam cerca de R$ 6,5 milhões da Saúde, como revelou a Folha de S.Paulo.
Veículos de mídia representados pela Omnia também receberam pagamentos para distribuir campanhas da Secom (Secretaria de Comunicação Social), dos ministérios da Saúde e Educação, do Banco do Brasil e da Caixa.
Em junho, a defesa de Luciano Cavalcante disse que as imagens feitas pela PF não demonstram nenhuma atividade ilícita dele e que não há relação do investigado com a empresa responsável pelos kits.