Bolsonaristas veem chance de encurralar Tarcísio, e Bolsonaro agora atua como bombeiro

Por CAROLINA LINHARES

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um dia após o desentendimento público entre Jair Bolsonaro (PL) e Tarcísio de Freitas (Republicanos) por causa da reforma tributária, deputados bolsonaristas afirmam que a crise escancarou a insatisfação da direita com o governador de São Paulo, que antes vinha sendo mantida nos bastidores, e que o movimento de independência pode lhe custar apoio no estado.

O próprio ex-presidente vem atuando como bombeiro na tentativa de superar o racha, mas a militância bolsonarista segue fustigando Tarcísio nas redes, inclusive com a participação dos filhos de Bolsonaro.

Parlamentares aliados do ex-presidente dizem que o episódio deixou claro que Tarcísio não joga com o time e tem um projeto político próprio.

Na definição de um deles, o governador quer ser bolsonarista sem Bolsonaro, mas se esquece de que vai precisar dos votos da direita na Assembleia Legislativa e em eventual projeto presidencial.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, Bolsonaro chegou a interromper Tarcísio, que foi hostilizado por bolsonaristas do PL em reunião no partido. Enquanto o ex-presidente pregava voto não à reforma, o governador a defendia.

O texto foi aprovado por 382 na primeira etapa e 375 na segunda, numa derrota para Bolsonaro e vitória para Tarcísio.

Interlocutores de Bolsonaro e de Tarcísio dizem que ambos veem o episódio como superado e que é preciso olhar para frente. Padrinho e afilhado conversaram por telefone, em tom amigável, nesta sexta-feira (7) e devem se encontrar em Brasília.

Ainda na quinta-feira (6), o ex-presidente entrou em ação para baixar a temperatura da discussão -ligou para deputados bolsonaristas que estavam criticando Tarcísio e pediu moderação. Também afirmou, em entrevista à Jovem Pan, que ele e o governador concordavam que o texto ainda precisava de melhorias antes da votação.

"Tarcísio é dez na parte técnica, na parte politica é bastante inexperiente. Ele estava chateado porque estava apanhando muito, mas faz parte das regras do jogo", disse.

Na opinião de aliados do ex-presidente, no entanto, o divórcio está em curso. Eles afirmam que Bolsonaro não gostou da atitude de Tarcísio, mas vai evitar um rompimento porque ele, que vive um cerco judicial e está fragilizado, perde capital político se admitir que não tem nenhum controle sobre o aliado.

Para bolsonaristas de São Paulo, a crise não foi nenhuma novidade. O distanciamento entre Tarcísio e parlamentares da base de Bolsonaro já é consolidado no estado a ponto de provocar uma série de entraves para o governador na Assembleia.

Os deputados cobram cargos, emendas, alinhamento e influência -querem que a gestão Tarcísio seja uma versão local do governo Bolsonaro. O governador resiste a ceder à ideologia.

Até agora, as críticas ficavam nos bastidores para preservar o afilhado do ex-presidente, mas deputados afirmam que a discussão com Bolsonaro e o discurso de Ricardo Salles (PL-SP) abriram a porteira para que Tarcísio seja fritado publicamente pela sua base.

Na reunião do PL, Salles disse que Tarcísio não governa como alguém de direita. "Se tem um lugar do Brasil hoje que não tem um governo de direita é o governo de São Paulo. Não venha colocar faixa de representante da direita, porque não é. [...] Chega, acabou essa brincadeira", afirmou.

O deputado recebeu mensagens de elogios de diversos bolsonaristas pela fala.

"Ontem [quinta-feira] foi o dia de externar publicamente. Tarcísio fez publicamente o que ele faz há sete meses aqui em São Paulo, ceder para adversários e bater a porta nos aliados de primeira hora", afirma o deputado estadual Gil Diniz (PL), ligado a Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

"Vamos ver se Tarcísio vai se empenhar para aprovar projetos na Assembleia como se empenhou para a provar a reforma. Se vai chamar aqui o [Fernando] Haddad [PT] para defender as reformas que ele quer fazer no estado, pra convencer o PT a votar a favor", ironiza.

O comportamento de Tarcísio começa a ser comparado pelos bolsonaristas mais radicais ao de João Doria (PSDB), que apoiou Bolsonaro em 2018, mas se tornou rival do então presidente na pandemia. A traição cobrou seu preço em falta de apoio popular, o que minou sua tentativa de concorrer ao Planalto.

Bolsonaristas dizem que Tarcísio não aguentaria a artilharia que eles mantinham contra Doria, que tinha de um lado a oposição de esquerda e de outro a dos radicais da direita.

Mais do que isso, ainda na avaliação de deputados. o apoio de Tarcísio à reforma tributária, pauta que bolsonaristas entendem como do PT, apesar da participação de Arthur Lira (PP-AL) e do centrão, pode afastar votos da direita caso o governador se lance para a Presidência em 2026, já que Bolsonaro está inelegível. Parlamentares afirmam que não dá para encarar uma eleição nacional sozinho.

Desde que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) declarou Bolsonaro inelegível por oito anos, as apostas do campo bolsonarista se concentraram em Tarcísio, visto como herdeiro político do ex-presidente.

Bolsonaro, porém, tem evitado passar o bastão --disse estar na UTI, mas não morto-- e prega ter mais experiência que outras alternativas da direita, algo que disse sobre Tarcísio na frente do governador durante a tensa reunião do PL na quinta.

Tarcísio, por sua vez, também desvia da posição de presidenciável e mira a reeleição em São Paulo, numa estratégia de preservação política. Mas, na sua principal atuação no cenário nacional até aqui, na articulação pela reforma, se posicionou como opositor de Bolsonaro e não como herdeiro apenas uma semana depois da declaração de inelegibilidade -o que foi lido como mal sinal pelos bolsonaristas.