Tribunais buscam equidade racial com cota, bolsa e fim da nota de corte para negros

As estratégias vão da remoção da cláusula de barreira em concursos à criação de banco de currículos e cursos de formação sobre questões raciais.

Por GÉSSICA BRANDINO

Tribunais buscam equidade racial com cota, bolsa e fim da nota de corte para negros

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Ampliar a presença de negros no Judiciário tem sido o foco de vários tribunais no país. As estratégias vão da remoção da cláusula de barreira em concursos à criação de banco de currículos e cursos de formação sobre questões raciais.

As iniciativas se intensificaram há um ano, com o Pacto Nacional do Poder Judiciário pela Equidade Racial do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), aderido por todos os tribunais.

"Há no pacto, por exemplo, a previsão de que os setores de comunicação busquem peças publicitárias com maior visibilidade das pessoas negras, assim como a divulgação de programas de seleção para a ocupação de funções com maior remuneração no Judiciário", afirma Wanessa Mendes de Araújo, juíza auxiliar da presidência do CNJ.

Levantamento do conselho divulgado em setembro indica que 15% dos magistrados brasileiros se declaram negros, em um universo de 13.272 profissionais. O percentual é resultado da soma entre os autodeclarados pardos e pretos. A maioria desses profissionais, porém, está na primeira instância, como juízes substitutos (17%) e titulares (15%).

A Justiça do Trabalho é o ramo do Judiciário com a maior presença de magistrados negros, 16%.

Para a ministra Kátia Arruda, do TST (Tribunal Superior do Trabalho), um fator que contribuiu para isso foi a nacionalização dos concursos do ramo, o que diminuiu os custos das provas. A criação de um exame nacional para toda a magistratura foi aprovada em novembro pelo CNJ.

Em 2023, o TST criou seu Programa de Equidade, Raça, Gênero e Diversidade da Justiça do Trabalho, coordenado pela ministra. Entre ações, ela destaca cursos de letramento racial para mais de mil inscritos. O tribunal ainda foi sede do sexto encontro do Enajun (Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros).

Representante de um coletivo criado há seis anos para aumentar a presença de magistrados negros nas cúpulas do Judiciário, o juiz Fabio Esteves afirma que a adesão ao pacto do CNJ fez os tribunais passarem a mapear a representação racial para assim formular políticas contra o racismo institucional.

No Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Esteves preside a Comissão Multidisciplinar de Inclusão, responsável por coordenar o programa por equidade e diversidade na corte.

Para auxiliar na formação de profissionais negros, a escola do tribunal reserva 20% de bolsas parciais em cursos de pós-graduação para funcionários negros da corte.

Esteves relembra que a preocupação com o tema passou a ganhar protagonismo a partir de 2017, quando magistrados negros entregaram ao então presidente do CNJ, Dias Toffoli, 32 sugestões pela equidade racial. Desde então, associações da magistratura passaram a criar espaços para desenvolver ações.

Na principal delas, a AMB (Associação de Magistrados Brasileiros), o juiz Marco Adriano Ramos Fonseca está à frente da diretoria de igualdade racial. Em novembro, a associação promoveu em 13 capitais a terceira edição da Caminhada Negra, evento que leva magistrados a conhecer roteiros ligados à cultura negra.

O magistrado também coordena o Comitê de Diversidade do TJ-MA (Tribunal de Justiça do Maranhão), criado em 2020. Ele conta que a corte se tornou a primeira a adotar uma comissão de heteroidentificação no concurso para magistrados e a retirar a nota de corte para pessoas negras, ações aprovadas pelo tribunal em 2021.

Como resultado, o tribunal aprovou 74 candidatos pelas cotas raciais. Se a nota de corte ainda estivesse vigente, esse número cairia para 11, diz Fonseca. Ele afirma que no Maranhão a demanda prioritária do movimento negro está relacionada a questões ligadas a conflitos agrários.

Por meio do comitê já foram realizadas atividades itinerantes em comunidades quilombolas para ouvir reivindicações. Para Fonseca, ainda faltam ações de proteção dos direitos humanos de povos tradicionais no estado.

Na região Norte, o Tribunal de Justiça de Rondônia atua por meio do Comitê da Política de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade, criado em 2021, trabalhando em conjunto com Ministério Público de Rondônia, Tribunal Regional do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho, ambos da 14ª Região, que abrange o Acre.

Após promover seu primeiro concurso com cotas raciais, o tribunal busca implementar uma resolução que reserva 50% de seus cargos comissionados para negros.

Para ajudar os gestores na busca por profissionais, a corte fez um curso de formação para interessados e os aprovados nas provas vão ter o currículo em um banco de talentos disponível também para outras instituições.

A corte estabeleceu ainda uma cota de 30% das vagas de empresas que prestam serviço de forma terceirizada para pessoas negras e mulheres em situação de violência doméstica e vulnerabilidade social.

A juíza Miria do Nascimento de Souza, integrante do comitê e presidente da comissão sobre o tema na primeira instância, considera que a formação dos membros da corte é o principal desafio.

"Estamos falando de racismo estrutural, de violência de gênero estrutural, de LGBTfobia, assuntos que estão no inconsciente das pessoas e mudar isso leva tempo", diz.

No Tribunal da Justiça da Bahia, o trabalho de conscientização tem sido feito por meio de um programa de combate ao racismo institucional com palestras para jovens estagiários.

Desde 2014 a corte tem uma Comissão Permanente de Igualdade, Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos Humanos, que conseguiu avanços como a aprovação de cotas de 30% para magistrados e a realização do primeiro censo da corte, que indicou que metade dos juízes do tribunal se declara branca.

"É uma realidade que se destoa bastante da população da Bahia. Por isso, a comissão agiu para fortalecer o novembro negro e em 2024 queremos estender ainda mais", afirma o juiz Guilherme Camilo, integrante do grupo.

A juíza Wanessa Araujo, do CNJ, afirma que ainda não há levantamentos quantitativos sobre as ações a nível nacional, mas diz que gestores dos tribunais têm mostrado que há um esforço em prol da diversidade.

"Sabemos que o racismo ainda transpassa a cultura institucional, mas a partir da capacitação, as resistências têm sido quebradas", diz.