A (i)mobilidade urbana
A (i)mobilidade urbana
Desde que Henry Ford decidiu colocar a "América sobre rodas", tornando o "Modelo T" (no Brasil conhecido como "Ford Bigode") um item de consumo de massa, o desenvolvimento urbano passou a basear-se na hegemonia de "sua majestade", o automóvel.
No Brasil, na década de cinquenta, a indústria automobilística tornou-se um ícone da política desenvolvimentista adotada por JK. Na última década, o governo brasileiro tem estimulado o crédito e facilitado o acesso ao carro, dadas as características dessa indústria, que dinamiza a economia por seu efeito indutor na cadeia produtiva e é geradora de empregos.
Com o aumento enorme do número de veículos nas ruas das metrópoles e cidades de porte médio, como Juiz de Fora, o tema da mobilidade urbana ganhou relevo como um aspecto fundamental da qualidade de vida dos cidadãos. O carro, que significou historicamente uma revolução na possibilidade de ir e vir, transporta agora o cidadão de volta ao passado, tendo a sua velocidade e a das carroças se assemelhado, em consequência das retenções e engarrafamentos.
A todos atinge essa falta de fluidez: os que usam o transporte individual, cuja agilidade decorrente da maior abrangência territorial fica anulada pelas retenções; o usuário do transporte coletivo, que também sofre seus efeitos e ainda tem seu dia a dia infernizado pela escassez e precariedade dos ônibus; o pedestre, que tem que se adequar a uma cidade organizada em função dos automóveis.
A necessidade de inverter essa lógica já é percebida por muitos.
A melhoria da mobilidade urbana está diretamente relacionada com o investimento em transporte coletivo. Se esse for satisfatório quanto ao número e ao conforto dos veículos em circulação, estão criadas as condições para os proprietários de carros particulares aceitarem a substituição no dia a dia. Ao poder público caberá a criação de políticas de estímulo ao uso do transporte coletivo, combinadas com outras correlatas, também orientadas para o bem estar dos cidadãos. Medidas pontuais amenizam, mas não resolvem o problema. A solução terá que ser sistêmica, abrangente.
Alguns exemplos podem ser lembrados. Além do número excessivo de carros, a organização socioterritorial das cidades conduz todos ao centro: a maior parte das oportunidades (emprego, consumo, lazer, cultura etc.) ainda se concentra no centro, enquanto as moradias da população de baixa e média renda estão na periferia. Estimular a formação de "centros de bairro" é uma forma de descongestionar o centro e estimular o surgimento de atividades e empregos nos bairros.
O planejamento do transporte deverá levar em conta o deslocamento entre bairros e não apenas desses para o centro e vice-versa. Soma-se a isso a imperativa necessidade de tarifas socialmente justas. Não é aceitável que ao cidadão pobre, o que mais precisa do transporte coletivo, seja negado o acesso por impossibilidade de pagamento. O formato da relação entre o poder público municipal, os empresários do setor e os usuários do transporte coletivo será decisivo para que se estabeleça uma política baseada no princípio da equidade. A integração tarifária (com ou sem terminais físicos), com o "bilhete único" é um passo nessa direção.
Muitos outros exemplos poderiam ser evocados, como o uso de veículos sobre trilhos, de bicicletas etc. O que importa é o norte que as políticas para o setor precisam ter, o de deslocar a prioridade dos carros para os cidadãos, e, dentre esses, para os mais carentes.
* No site do Instituto Polis, há vários desses relatos. Alguns artigos desse site serviram parcialmente de base para este texto.
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Helena Motta é graduada em Filosofia pela UFJF, mestre e doutora em Ciência Política pelo IUPERJ. Professora associada da UFJF, onde lecionou desde 1980 e aposentou-se em 2008. É integrante de um grupo de pesquisa da UFJF sobre Política Industrial.