Empresa deve pagar indenização de R$ 50 mil para trabalhador discriminado por ser homossexual

Testemunha ouviu outro trabalhador dizer que 'viado não vai para o céu'. A decisão é do juiz Marcelo Paes de Menezes, titular da Vara do Trabalho de Muriaé.

Por Redação

LGBTQIAPN+

Uma empresa de vendas a varejo foi condenada a pagar uma indenização de R$ 50 mil a um trabalhador por discriminação no ambiente de trabalho por ser homossexual. A decisão é do juiz Marcelo Paes de Menezes, titular da Vara do Trabalho de Muriaé.

Segundo o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG), uma testemunha ouvida no processo, e colega da vítima que trabalhava como estoquista, contou ao trabalhador que ouviu outro empregado dizer que “viado não vai para o céu”.

Os nomes da empresa e dos envolvidos não foram revelados.

Sentença

Para definir o valor da indenização em R$ 50 mil, o juiz considerou as circunstâncias do caso concreto, o princípio da razoabilidade, a capacidade econômica dos envolvidos, com registro de que o capital social da reclamada é de centenas de milhões de reais, conforme documentos apresentados no processo, a gravidade da agressão e a inexistência de iniciativa para reparar e/ou atenuar o dano.

De acordo com o TRT-MG, o juiz Marcelo destacou que “o valor da indenização não pode ser muito elevado, de modo a representar enriquecimento ilícito da vítima, tampouco deve contemplar quantia irrisória, ou não atenderá ao caráter pedagógico”.

A decisão foi homologada no fim do ano passado, mas divulgada apenas nesta quarta-feira (17). O acordo entre as partes já foi homologado e a empresa se comprometeu a pagar o mesmo valor da indenização deferida na sentença, ou seja, de R$ 50 mil, devidamente atualizado.

Considerações para a sentença

Marcelo ressaltou que a proteção conferida pela lei à pessoa humana contra a discriminação diz respeito ao interesse público e à boa convivência em sociedade, transcendendo a figura do trabalhador, estendendo-se à coletividade.

Para ele, a indiferença da empresa quanto à discriminação sofrida pelo ex-empregado ficou nítida no depoimento da testemunha. Ela relatou que o estoquista, ao reclamar da conduta do colega de trabalho, além de não receber acolhimento, foi advertido sobre a possibilidade de dispensas dele e do colega que o ofendeu.

“Foi discriminado e sofreu uma espécie de revitimização”, destacou o julgador.

Depois do ocorrido, a empresa não apresentou uma proposta para desfazer ou remediar o ao ilícito praticado contra o ex-trabalhador no local de trabalho, além de não realizar qualquer iniciativa para reduzir o impacto da discriminação na vida do empregado. Tudo isso chamou a atenção do juiz, que considerou que a empresa é responsável diante de terceiro e dos demais empregados e o ato ilícito por parte da empresa é inegável.

O magistrado citou renomados autores literários e personalidades que marcaram a humanidade para expor os fundamentos sobre a condenação da empresa.

Para o TRT-MG, o juiz tinha o objetivo de fazer um paralelo entre os valores da igualdade e do amor ao próximo, extraídos dos trechos citados, e a situação de desamor, injustiça e discriminação vivenciada pelo trabalhador.

O juiz ressaltou que o princípio da igualdade está inserido na Declaração Universal dos Direitos do Homem e que a Constituição da República do Brasil de 1988, em proposta a uma vivência democrática e republicana, insere o valor da igualdade entre os direitos e garantias fundamentais (artigo 5º).

“É triste constatar, tal como pode ser observado no caso presente, que o sonho da igualdade, em pleno século XXI, parece cada vez mais distante”, disse o juiz.

Para o magistrado, as palavras ofensivas ditas pelo colega de trabalho ao estoquista traduz uma prática lamentável da empresa, que remete à discriminação.

“A sociedade contemporânea grita por um mundo livre de discriminações. E se a discriminação toma como foco a liberdade sexual, redobrada censura merece a conduta daquele que discrimina”, destacou na sentença.

“É certo que a discriminação não pode ser tolerada, tendo em vista que agride a toda coletividade, ou seja, perpassa o interesse puro e simples do autor. Interessa à coletividade uma convivência livre de discriminação. É dever de todos, sem exceção, lutar por uma sociedade cujo respeito à não discriminação seja valor fundante”, ponderou.

Na análise do magistrado, ao tolerar a discriminação praticada contra o estoquista no ambiente de trabalho, a empresa ofendeu o princípio constitucional da não discriminação e incorreu em conduta de enorme gravidade, ignorando a importância do valor social do trabalho e agredindo, de forma frontal, a dignidade da pessoa humana.