Provas da melhor idade

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Provas da melhor idade
 Juliano Nery 10/12/2012

Provas da melhor idade

Dia desses, estive em uma casa de repouso para realizar um levantamento para uma possível atividade com os atendidos do local, no município de São Domingos do Prata. Para quem não sabe, as casas de repouso nada mais são do que os asilos para idosos. O nome "casa de repouso" funciona como um eufemismo utilizado pela sociedade geral, talvez porque ela costume se esquecer da terceira idade. Daí, uma família ou outra acaba encaminhando o ente para o local e esquece, com o passar do tempo, de realizar visitas, fornecer carinho e dar suporte a este grupo, que é a matriz viva do nosso povo. Nunca havia visitado um asilo, aquela era a minha primeira vez. E fiquei triste ao ver senhores e senhoras outrora ativos, agora, com severos problemas de memória, com a saúde debilitada e alguns até acamados e necessitando de suporte para todas as atividades. Nada fácil essa vida, não fosse um belo exemplo que encontrei por lá...

Durante a minha visita, conheci uma senhora muito sagaz. Já começou querendo saber se eu havia trazido alguma coisa especial para ela e não se desapontou diante da minha negativa. "O importante é que você veio", comemorou, mostrando que a presença, muita das vezes, é do que mais necessitam. Foi discorrendo sobre sua vida, diante da minha atenção. Falou que adorava se maquiar e que iria lá no quarto pegar o estojo para ficar bem bonita para mim. Continuei percorrendo o local e conhecendo os outros moradores. E ela surgiu com o tal estojo de maquiagem. "Vou me pintar". Com mãos habilidosas, foi passando o batom, o rímel e a base. "Gostou?"

Claro que havia gostado. Tanta vida, só podia significar uma coisa: "Ficou linda!" E não parou por aí. Disse que eu deveria conhecer um senhor mais acanhado, que estava lá num canto, quietinho, muito longe da sua alegria contagiante. Ele era bem tímido e fui até lá, juntamente com aquela linda representante da terceira idade, conhecer o tímido companheiro. "Esse é o meu noivo. Vamos nos casar no mês que vem!" Que bela surpresa! Fiquei maravilhado com a história e quis saber mais detalhes.

Haviam se conhecido ali. Onde tem tanta gente triste e muitos perdem o brilho no olhar. Ele já havia sido casado e era viúvo. Ela estava realizando um sonho, já que era sua primeira vez. "Esperei 78 anos para que isso acontecesse, meu filho!", comprovando que não há limite de idade para sonhar. Menos ainda para se realizar. O noivo somente sorria de canto de boca, um pouco acabrunhado. Mas percebia-se que estava feliz. "Vai ter até cerimônia. De papel passado e tudo!" A administradora do local, que também já passa dos 70 e que dedica a sua vida a cuidar dos mais de cinquenta moradores, confirmou a informação do festejo e providenciou até um vestido para a noiva.

"Moço, estou sentindo um frio na barriga com essa história de casar. Tem dia que eu tenho até dificuldade para dormir!" – Quem diria! Estava bem achando que esse negócio de insônia e ansiedade fosse coisa do mundo do trabalho e de gente inexperiente. Aquela senhora acabou provando que é coisa de todo mundo, de quem está vivo. E ela está muito viva, por sinal. Mais do que muita gente de poucas décadas...

Que visita valiosa ao asilo. Na saída, recebi o convite para o casamento e disse que não sabia se daria para estar presente, por conta dos meus compromissos em outras cidades. Mas disse que fazia questão de mandar um presente e que ela podia escolher o que quisesse, ao que recebi como resposta da senhora, olhando para o futuro marido, que apenas sorria discretamente. "A gente não precisa de nada. Já temos um ao outro." – Sem dúvida, a mais bela declaração de amor que já ouvi.

Juliano Nery acredita que Minas Gerais é mais do que um Estado. É um estado de espírito. São Domingos do Prata pode ser encontrada na latitude 19° 51′ 54″ S e na longitude 42° 58′ 4″ W



Juliano Nery é jornalista, professor universitário e escritor. Graduado em Comunicação Social e Mestre na linha de pesquisa Sujeitos Sociais, é orgulhoso por ser pai do Gabriel e costuma colocar amor em tudo o que faz.

* Ilustração: Lucí Sallum