"Te conheão?!"

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"Te conhe?o?!"
 Juliano Nery 24/1/2013

"Te conheço?!"

"Deixa eu te apresentar, esse aqui é o Juliano..."

Não, não é a família da namorada. As reticências, na verdade, podem ser substituídas por 'meu filho', 'meu primo', 'meu amigo', 'meu colega de escola', 'meu companheiro de bar' e algumas outras variações, quando estou em São Lourenço, minha cidade natal. Legal conhecer gente, coisa que venho fazendo Minas afora, mas o problema aqui é outro. O que ocorre é que, em quase a totalidade dos casos, eu já conheço o interlocutor, a tal pessoa para quem sou apresentado. Nem parece que passei mais de duas décadas por lá!

Não sei se é um fenômeno local ou se é algo que está intimamente ligado a minha pessoa, mas toda vez que aporto na terrinha, volta a acontecer. O pior é quando ainda tentam explicar... "Não se lembra? – Ele é filho da Laurinha... Ele jogava bola com você, quando treinava no Esporte Clube São Lourenço..." – E você, ali, na berlinda, tentando ver o interlocutor puxar do fundo do Google mental, uma luz que remeta ao pobre Juliano Nery, que, há mais de uma década, quando foi embora, possuía mais cabelo.

Será que não se lembram de mim? Que absurdo! Como não se lembram de mim? Se era eu quem nadava na raia 07 da piscina do clube. Levantava o supino reto na academia. Matava a quinta aula do terceiro ano do ensino médio. Que estava na farra, na aula... Tudo com você, que ora não me reconhece. É certo que eu nem era um cara lá muito popular, mas tenho boa memória. E acho que nem precisa gastar tanto fosfato mental, já que, somente no ano passado, fui apresentado para a mesma pessoa nos feriados da Semana Santa, no Sete de Setembro e no Doze de Outubro.

Como não descarto a possibilidade também das pessoas fingirem não me reconhecerem, já que, talvez, possa não ter deixado uma boa reputação por lá, optei por fazer o jogo local. Se me cumprimentarem, estendo a mão e viro grande amigo. Se não se lembrarem de mim, finjo também que não conheço. Muito embora tenha até vivido alguns momentos com o interlocutor ou interlocutora desmemoriado ou desmemoriada. Às vezes até com um copo de cerveja e um bom churrasco. Vai entender... Vai me entender... Sei apenas que, ao ser interpelado para uma nova apresentação, estarei lá, fazendo o meu papel e (re)conhecendo mais uma vez.

Já ouvi gente de outras cidades observarem os mesmos sintomas quando voltam para casa. Problemas na raiz? Falta de pertencimento com a matriz? Falta de frequência nas visitas à terrinha? Vai saber... O engraçado é que quando encontro um são-lourenciano perdido no mundão, invariavelmente, nos tornamos amigos, mesmo que a gente realmente não se conheça. Talvez seja a falta de casa.

Parece mesmo é que santo de casa não faz milagre. Até porque ninguém conhece o santo, neste caso. Ainda que ele seja corriqueiramente apresentado e esquecido. De toda forma, vale sempre a pergunta: "te conheço?!"

Juliano Nery acredita que Minas Gerais é mais que um Estado. É um estado de espírito. São Lourenço pode ser encontrada na latitude 22° 06' 57" S e longitude 45° 03' 14" O


Juliano Nery é jornalista, professor universitário e escritor. Graduado em Comunicação Social e Mestre na linha de pesquisa Sujeitos Sociais, é orgulhoso por ser pai do Gabriel e costuma colocar amor em tudo o que faz.

* Ilustração: Lucí Sallum