Dupla rotina

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Dupla rotina Necessidades financeiras fazem com que jovens universit?rios
trabalhem fora da sua ?rea de gradua??o e prejudiquem os estudos

Chico Brinati
Rep?rter
30/08/2005

Da graxa da m?quina de pinos de boliche para a prancheta de plantas e c?lculos. Essa ? dupla rotina do t?cnico em manuten??o, Felipe Halfeld (foto ao lado), h? cerca de dois anos, quando come?ou a trabalhar numa casa de jogos da cidade. Ao mesmo tempo, ele ? estudante do 9? per?odo da Faculdade de Engenharia Civil da UFJF. "Na verdade estou com mat?rias atrasadas desde o 2? per?odo... ? muito dif?cil conciliar o trabalho com os estudos", confessa.

Felipe n?o ? o ?nico. Segundo os dados de 2004 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, Inep, do Minist?rio da Educa??o, 3,9 milh?es de alunos est?o matriculados nos cursos superiores do Brasil. Destes, 44% estudam no per?odo noturno porque, em geral, trabalham durante o dia.

Como a maioria dos estudantes na mesma situa??o, Felipe trabalha para ter condi?es financeiras de fazer a faculdade. "Para manter os estudos, com livros, condu??o... Meu pai n?o tem uma renda suficiente para me sustentar na faculdade. Al?m do mais, dou uma parte do sal?rio em casa. Isso tudo pesa, preciso de dinheiro, preciso trabalhar", desabafa.

No in?cio do trabalho, ele teve que mudar alguns hor?rios na faculdade, o que acabou atrapalhando os estudos. "Era complicado, o meu curso necessita de uma dedica??o maior, com isso me atrasei todo e s? devo formar, se tudo der certo, dentro de tr?s anos", relata.

Sua rotina ? complexa. Em dias "normais" (quarta ? sexta), segundo ele, acorda ?s 7h, chega na UFJF ?s 8h, onde assiste ? aula at? a hora do almo?o, 12h. Depois, segue para o trabalho, saindo ?s 17h30 e retornando para a faculdade. Das 19h ?s 21h, mais aula. Descanso? S? depois das 23h. Ufa! "Folgo segunda e ter?a, justamente os dias que tenho aula das 7h ?s 21h. N?o descanso no fim de semana. Estou ficando muito cansado", diz.

Al?m disso, atualmente, ele trabalha em regime de plant?es. "?s vezes, tenho que sair no meio da aula para vir correndo resolver algum problema", alega. O fato de n?o trabalhar exercendo a profiss?o em que est? graduando, tamb?m n?o ajuda. Ele se sente em desvantagem numa futura disputa no mercado de trabalho. "Estou deixando de me dedicar mais ? Engenharia. N?o consigo fazer cursos, participar de palestras, melhorar o meu curr?culo", comenta.

Contudo, Felipe n?o pretende largar o emprego na manuten??o. "Mesmo n?o sendo o que eu quero para o meu futuro, quero continuar no emprego at? me formar", diz. Ele alega que se aparecesse uma proposta com um sal?rio inferior para trabalhar em algum fun??o relacionada ao seu curso, trocaria o emprego. Apesar do "trabalho pesado", como ele destaca, Felipe ainda mant?m o bom humor. Solicitado a dar uma dica para quem pretende entrar na faculdade precisando trabalhar, ele completa sorrindo: "N?o fa?a Engenharia".

"N?o me arrependo"

A analista de telemarketing, Priscila Soares de Paula (foto ao lado), trabalha numa subsidi?ria de uma multinacional na ?rea de telecomunica?es h? tr?s anos e meio. Junto a isso, est? no 3? ano da faculdade de Administra??o do Machado Sobrinho.

A independ?ncia financeira ? o fator mais importante para continuar a exercer uma fun??o diferente da Administra??o. "Trabalho para bancar minha faculdade, ter o meu sal?rio. ? muito bom n?o ter que pedir dinheiro para os meus pais", alega Priscila que ainda ajuda dando uma parcela do rendimento em casa.

Segundo ela, conciliar as duas fun?es, de analista e estudante, cansa. "Eu poderia render bem mais na faculdade", confessa. No entanto, alega que n?o conseguiria ficar em casa s? para estudar. "Eu fico acomodada. Quando saio direto do trabalho para a aula, eu j? estou no pique, mais animada", comenta.

Mesmo assim, diz que largaria o seu emprego para fazer est?gios na ?rea. "Quero ter novas experi?ncias", comenta. Mas, enquanto n?o aparecesse esse tipo de proposta, pretende ficar na empresa at? concluir o pagamento dos estudos.

Ela acha que, se o estudante tem disposi??o para encarar a rotina dupla, deve tentar conciliar as fun?es. "Vale a pena, pois ? um investimento... n?o me arrependo. A gente cresce, aprende muito", conclui a estudante.

Maturidade profissional

H? nove meses, o supervisor de vendas de uma loja de aparelhos celulares, Andr? Lu?s Mendon?a (foto ao lado), tamb?m mant?m uma rotina dupla. Al?m do cargo de supervis?o, ele ? aluno do 4? per?odo da Faculdade de Psicologia da UFJF.

? mais um que reclama da falta de tempo para se dedicar mais ? futura profiss?o. "N?o est? do jeito que eu queria. Queria me dedicar mais. Tento me esfor?ar para que o servi?o agregue valores ao meu estudo, mas ? complicado, n?o fa?o nem metade do que eu queria", diz.

Consenso, tamb?m, ? o motivo para ele continuar no trabalho. "Se tivesse condi??o financeira, ficaria exclusivo na faculdade... Mas trabalho para n?o entrar numa ociosidade, tamb?m", afirma. Ele j? foi reprovado numa mat?ria, no per?odo passado. "Fui reprovado, mas n?o jogo a responsabilidade no trabalho, mas em mim. Faltou dedica??o", afirma.

Sua rotina ? comum para quem trabalha no atual hor?rio do com?rcio e faz faculdade ? noite. De 8h30 ?s 18h, na loja, depois fica na faculdade at? ?s 22h. Andr? s? lamenta o fato de usar pouco do que aprende no campus durante o tempo que fica no trabalho e de ficar um pouco estressado com a fun??o que exerce. "A responsabilidade de supervisionar pesa muito, ? dif?cil separar as coisas. ?s vezes, acabo levando esse peso para a aula, para casa", confessa.

Mesmo assim, ele acha a experi?ncia positiva. "? uma antecipa??o da carreira profissional, um novo caminho que venho trilhando e adquirindo maturidade profissional", analisa. Pretende conciliar o emprego com o est?gio (que no seu caso ? obrigat?rio a partir de determinado per?odo), negociando hor?rios com os chefes. "Fa?o est?gio at? na hora do almo?o, se for preciso", admite.

Ele d? a dica para quem est? entrando agora na faculdade e pretende conciliar estudo com trabalho. "A faculdade oferece muitas oportunidades, como bolsas de estudo, de pesquisas, est?gios... O estudante deveria, antes de procurar um emprego em outra ?rea, conseguir se manter com esses aux?lios, pois ? melhor para seu enriquecimento acad?mico e vai ajud?-lo no futuro", conclui Andr?.