Entre o vir e ir há um intervalo

Quando a pandemia se instalou em nossas vidas e os dias tornaram-se nebulosos, uma luz se fez representada por uma filhote (pet-cão), que bateu à porta para adoção, então uma paixão repentina instalou-se. Junho 2020 iniciava uma história de amor e aprendizado, a NINA entra para a família.

Chegaram junto a ela desafios e muitas incertezas, aprendizados se fariam com aquela criaturinha, forma que eu gostava de chamada. O tempo foi passando, os desafios se transformando, a alegria diária e o amor incondicional de um pet acontecendo e crescendo, veio então a vontade de prolongar a vida dela.

Comecei a pesquisar sobre a castração e a ideia inicial tomou corpo, conversas agendamentos e remarcações, decisão tomada, o dia do procedimento chegou e com ele uma mistura de sentimentos e sensações, ir ou não, pergunta que se fez presente o tempo todo e mesmo permeada de indecisão no momento fui efetivar o que era mais óbvio e correto. Já no local não havia como desistir, mas a estranheza não passava. O dia transcorreu de certa forma “normal”, porque em meu íntimo a pergunta (o que estamos fazendo aqui) ressoava. Era tudo tão estranho e ao mesmo tempo tão normal frente a todas as histórias que ouvia dos outros cuidadores. Muitas espera, mas chega a vez da NINA entrar para o centro cirúrgico, meu olhar para ela foi de um até logo, porém este se tornou em um adeus. Ela não voltou para alegrar nossas vidas e nossa casa. Após um dia de tanta intensidade e espera em busca de uma vida prolongada, fui surpreendida por um fim. Fim este que daria lugar a outro início, porém bem diferente, de dor e sofrimento.

A veterinária e sua equipe me convidaram para entrar em uma sala espremida e fria, mal sabia eu que o maior gelo se instalaria não em meu corpo, mas sim em meu coração. A notícia foi dada, a NINA havia partido após o procedimento cirúrgico, explicações e justificativas se fizeram, entretanto não puderam aquecer meu coração. Desejei naquele instante não escutar, aquela voz parecia um punhal atravessando meu ser e a sensação de um buraco abrindo à minha frente foi instantânea. Sempre me orgulhei de ter uma capacidade de raciocínio louvável, organização e controle, mas naquele instante percebi o quão vulnerável aos acontecimentos inesperados da vida eu era. Instalou-se em mim naquele momento uma dor e uma sensação de idiotice pelo que eu havia decidido e feito com a NINA, como um relâmpago a culpa caiu em minha alma e junto dela pensamentos em ondas avassaladoras, pedi para vê-la e fiquei vários minutos olhando para o corpo imovel me desculpando inebriada de tanta dor e culpa, culpa, culpa, culpa. Em seguida veio como eu daria a notícia ao meu filho de 11 anos que era alucinado de amor pela Nina e contra a minha decisão de castração. Vesti a roupa de adulta e fui ao encontro dele, imaginando o resultado daquela conversa. Ele tão jovem precisando passar por tanta dor também. Minha mente não parava de indagar e buscar justificativas e até mesmo culpados para o ocorrido, o passado e o futuro pareciam se afundar naquele fractal de tempo presente. Transcendendo as condições emocionais eu precisava além de tudo destinar aquele corpinho imovel, os raios de sol findavam o dia e a noite caia, vindo com ela a vontade que tudo fosse apenas um pesadelo. A lucidez era necessária para as resoluções práticas sobre o destino do corpo da Nina, mas a vontade de sair correndo sem destino ou para algum lugar que mudasse tudo aquilo, era o que eu mais desejava. O sepultamento da Nina ocorreu mais ou menos às 21:00, porque não suportaria estender aquele sofrimento para o outro dia.

Uma noite se abria como um bote salva vidas em meio a tanta dor e lágrimas, mal sabia eu que no dia seguinte a onda seria ainda pior e perduraria por mais alguns dias... LUTO. Nunca imaginei que a partida de uma criaturinha causaria tanto estrago no peito, no corpo e na mente. Aqueles dias nos mostraram além da finitude o não controle sobre a vida, mas também a capacidade que podemos desenvolver de resiliência e elaboração do luto, que foi iniciado pela escolha de aceitar o destino e seguir. Não há fórmula de se preparar para morte, mas existe sim processo de elaboração contínua passível de transposição, foi o que fizemos dia após dia. Entre nascimento e morte há um intervalo chamado vida. O ir da Nina trouxe o luto, mas ele pode ser transposto ao nos permitirmos vivenciar suas etapas com aceitação e de forma não retilínea, mas necessárias: negação, raiva, às vezes traduzida em desespero, negociação, tristeza profunda e leve, elaboração, aceitação e superação da dor, depois disto foi instalada a saudade sem dor.

Toda essa história me ensinou que a perda é real, a dor legitimada nos acontecimentos, a superação idealizada é atingível transpondo o sofrimento através de trabalho interno e claro externo respaldado em novos fatos, estes possibilitando a brisa suave da vida bater novamente a porta, que nesta história se fez com a chegada de outro pet (Tedy).

FOTO: Acervo Pessoal - .
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Arquivo pessoal - Andreia

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Andreia de Oliveira Henriques

Contos Multifocais

Psicóloga há mais de 20 anos, Coach, Consteladora familiar sistêmica, Hipnóloga, Mentora multifocal e palestrante. Experiência de 27anos em multinacional liderando equipes, desenvolvendo projetos, pessoas e grupos de D&I (diversidade e inclusão), com grande empenho, dedicação e paixão pelo trabalho. Voluntária do IVT (Instituto Vitória), desenvolvendo acompanhamento psicoterápico à associados e familiares. Aprendizado continuado é a minha paixão, trabalhar para o desenvolvimento humano e o crescimento pessoal é a minha motivação constante, auxiliar no florescimento do ser para uma vida melhor e mais próspera é o meu propósito. Sempre utilizando do meu conhecimento em prol da vida e do respeito mútuo às diferenças, buscando continuamente o equilíbrio no pensar, sentir e agir.

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