Se Rousseau estivesse vivo, certamente diria a frase acima, após assistir ao novo filme de Yorgos Lanthimos, vencedor do Globo de Ouro por melhor filme e com 11 indicações ao Oscar, incluindo a categoria principal
A trama conta a história de Bella Backster, uma jovem que foi trazida de volta à vida, após cometer suicídio, através de um experimento científico realizado por um cirurgião muito excêntrico, que para salvar a vida da moça, implanta o cérebro do bebê que ela carregava em seu ventre na jovem. Agora ela tem que reaprender todas as fases da vida que um recém-nascido experimenta, como falar, andar, e entender o mundo.
Se a sinopse já se revela de maneira inusitada, é importante dizer que essa estranheza vai ser experimentada por toda construção do enredo. E não há aqui, uma novidade nessa extravagância narrativa, quando se trata de uma obra de um dos diretores mais autêntico da atualidade. E todo o seu talento para o exótico é utilizado de forma magistral, entregando uma das mais originais histórias do cinema, ainda que se compare com um grande clássico da sétima arte.
Isso porque, ao ser comparado com o filme Frankenstein, Pobres Criaturas tem, na sua protagonista, certa similaridade com o personagem bizarro do filme de 1931, derivado da obra literária fantástica de Mary Shelley, uma vez que também é inspirado na obra de Alasdair Gray de 1992, com o mesmo título do filme.
Dito isso, a história se passa por volta do século 19, o que fica muito evidente da direção artística que, para além da construção de época, cria um cenário fascinante e repleto de estilização lúdica e impressionista.
E isso por si só, denota a originalidade da obra, que utiliza sua fotografia para revelar uma construção fantástica, futurista, criando arcos metafóricos sobre o arcadismo, que busca a razão e a ciência como crença.
Não obstante, o surrealismo presente na construção cenográfica, denota expressionismos que se entrelaçam com o roteiro e o seu objetivo, que é discutir temas polêmicos que envolvem principalmente o patriarcado, feminismo, a liberdade, a fé, o amor e a autodescoberta, sem deixar que o público se perca nas mensagens que a obra quer transmitir, e que transitam entre o extravagante e o translúcido.
É como assistir a um conto de fadas pós moderno que escandaliza não de modo pejorativo, mas que causa certa colisão ante o trivial modo de pensar, “forçando” o espectador a sair da sua zona de conforto para compreender quem é aquela pessoa que está se desenvolvendo na narrativa, e como ela se encaixa na sociedade, ao passo que aborda questionamentos íntimos que permite uma conexão com o público, resultando em uma natural identificação com a personagem em diversos aspectos.
Pobres Criaturas é o filme mais acertado de Yorgos, que se permite alcançar seu público habitual, mas conquistar através do seu estilo próprio, uma gama de espectadores que com certeza irão estranhar a princípio a proposta da trama, mas que rapidamente vão se encantar com a construção narrativa, a cenografia espetacular, os temas envolventes e reflexivos e obviamente, o desenvolvimento da protagonista, que, importantíssimo frisar que Emma Stone entrega uma das melhores atuações de sua carreira, provando não só que é uma excelente atriz, como se permite a versatilidade de encarar algo tão diferente e ousado, merecendo demais sua indicação ao Oscar.
Pobres Criaturas é um filme fascinante, que se utiliza da estranheza e excentricidade para discutir temas importantes e necessários que ainda resistem ao preconceito e autoritarismo social arcaico, que mesmo através do lúdico é capaz de provocar, refletir e emocionar com sua história e seu objetivo narrativo, sendo uma das melhores obras do cinema contemporâneo.
Nota: 9.9 (Em exibição nos cinemas)
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