Um escritor e professor de literatura desgostoso por seu último livro não ter sido aceito para publicação, enfrenta um dilema pessoal após encarar duas mortes na família de forma repentina. E dessa tragédia, ele constrói uma narrativa para seu novo livro que, embora pautado na sua vida pessoal, é totalmente transformado em uma ficção para atender aos anseios do mercado moderno da literatura, que resulta na atração imediata das editoras por seu romance.
Adaptação do livro chamado Erasure, Ficção Americana, que concorre a cinco Oscar, entre eles, Melhor Filme, é uma obra satírica sobre um tema bastante atual e necessário: a construção idealista de uma sociedade que quer dar voz à população negra. E não se engane, embora o longa traga um assunto bastante evidente e político, aqui o trabalho é justamente contrapor aquilo que se chama de classicismo.
Isso porque, logo que o filme começa, vemos um professor debater sobre uma frase escrita propositalmente de modo incorreto com uma aluna, que se sente ofendida pela forma coloquial a que o seu mentor submeteu a escrita. E nesse sentido, é possível identificar que aquele pequeno embate, metaforiza o tema principal da trama: O lugar de fala!
E conforme a trama se desenvolve, é possível perceber que sutilmente (ou não), o roteiro implica com a dialética sobre as histórias contadas por um determinado grupo racial, como o caso da escravidão antes contadas pelos seus colonizadores. Ao dar voz aos oprimidos, o que se espera ser contado por eles? E é nesse momento, que o filme se torna grandioso e relevante para uma discussão aberta sobre o racismo velado.
Brilhantemente, o diretor estreante cria diversas situações com a história fictícia que Monk, o protagonista do longa está desenvolvendo, ao passo que ele percebe dentro dessa produção o espaço ora “deixado” pela comunidade aristocrata, e o real interesse deles na igualdade racial. Enquanto ele pretende abordar questões sócio-políticas que excluem seu povo de forma sutil, seus novos colonizadores “imploram” (importante destacar que aqui não se trata de um favor, mas de uma ordem) para que ele se atenha ao sofrimento dos negros e às suas mazelas para ocuparem um lugar de conforto numa sociedade preconceituosa.
Novamente, o espectador é convidado a refletir sobre como um poder absolutista que está perdendo sua força, consegue manobrar suas intenções a ponto de criar outra vez, uma barreira que insidiosamente se estabelece como uma espécie de trave para desqualificar esse grupo de pessoas. E ao perceber essa cortina de fumaça, o escritor se vê diante de um dilema: aceitar que o preconceito com sua raça é uma doença incurável, ou resistir a essa imposição sínica do poder aristocrático.
Numa construção acertadíssima, American Fiction cria diversas nuances sobre como podemos enxergar temas polêmicos, entre eles, os sistemas de cotas, as ideias de que o negro só se consolida se tiver sua história sofrida em evidência, criando uma dicotomia sobre o que hoje a sociedade entende a respeito do racismo, além de provocar uma sociedade pluralista a entender que esse grupo social, por mais que tenha seu destaque, só o obtém através de muita barganha e subserviência velada.
American Fiction é um filme politizado, mas que se permite criar um embaraço satírico para ressaltar como a sociedade americana ainda precisa muito evoluir socialmente, seja pelo tema abordado na trama, seja por outros temas sócio-políticos relevantes, que merecem ser visto e refletido com atenção.
Nota: 8.9 (estreia dia 27/02/2024 – Amazon Primevideo)
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