Está tramitando na câmara de vereadores de Juiz de Fora a Lei Complementar 12/2024 que trata de áreas de drenagens sustentáveis em loteamentos.

Antes de entrarmos diretamente no assunto, fica uma observação: Leis que versam sobre qualquer tipo de preservação ambiental são de extrema importância para a transformação socioambiental que precisamos. São necessárias e urgentes. Precisam estar no debate público. Sabemos que o comparecimento da Sociedade Civil em sessões públicas é pequeno, cabe aos próprios parlamentares dar fomento ao debate, abrir consultas públicas, levar esclarecimento para a população e, principalmente, ouvi-la.

Para entender melhor todo esse processo tive uma conversa com a Drª Carmem Lucas Vieira, como consultora técnica na área ambiental e ampla experiência, foi de fundamental importância sua opinião.

A Lei Complementar 12/2024 inclui diretrizes para retenção de águas pluviais em loteamentos, a proposta visa melhorar a gestão das águas pluviais para evitar enchentes e promover a sustentabilidade hídrica na cidade. De imediato, a ideia parece ótima e positiva, afinal inserir áreas de drenagens sustentáveis em loteamentos é importante. No entanto, temos que entender e ressaltar alguns pontos.

Primeiro, precisamos entender o que são APPs (Áreas de Preservação Permanentes).

De acordo com a Drª Carmem: “ As Áreas de Preservação Permanente (APPs), na Lei Federal 12.651/2012, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa, são ambientes legalmente instituídos, cuja finalidade básica fundamenta-se em preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, assim como facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, a proteção do solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. Estas áreas, segundo a referida Lei, comumente denominada como “Novo Código Florestal”, podem ou não, ser cobertas por vegetação nativa.

A professora destaca que à época da tramitação e promulgação da Lei 12.651 houve intenso debate sobre o tema, com embates diretos envolvendo ambientalistas, técnicos, cientistas, ativistas, educadores e demais atores sociais, em relação ao que foi entendido negativamente como uma flexibilização em diversos aspectos do Código Florestal Brasileiro, instituído pela Lei n° 4.771 de 15 de setembro de 1965. As APPs voltam a ser destaque nas discussões ambientais a partir da publicação da Lei n° 14.285/2021 e inclusão do parágrafo 10 no Art. 4°, o qual discorre a possibilidade de conselhos municipais terem a possibilidade de determinar faixas marginais distintas daquelas definidas pela Lei n° 12.651 em áreas urbanas consolidadas, desde que ouvidos os conselhos estaduais, municipais ou distrital de meio ambiente. A Lei n° 14.285 de dezembro de 2021 trouxe alterações na Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei Federal n° 12.651/2012), Lei do Parcelamento e Uso do Solo (Lei Federal n° 6.766/1979) e Lei de Regulamentação Fundiária (Lei Federal n° 11.952/2009) permitindo, dessa forma, que municípios criem suas próprias definições em relação às faixas marginais das áreas de preservação permanente em áreas urbanas consolidadas. Isto não significa, entretanto, que as áreas de preservação permanente deixam de existir em áreas urbanas. O que ocorre, de fato, são alterações em relação ao estabelecimento e manutenção de APPs no entorno dos cursos de água em áreas urbanas consolidadas, cuja definição das mesmas obedece ao atendimento de critérios relacionados no inciso XXVI do Art. 3°, atentando-se para o fato de que legislações municipais não podem ser menos restritivas do que legislações instituídas em âmbito Federal.

A Resolução CONAMA n° 303 de 20/03/2002, publicada no Diário Oficial da União em 13 de maio de 2002 também dispõe sobre os parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente, ressaltando em seu inciso XIII do Art. 2° os critérios para definição de áreas urbanas consolidadas. Esta resolução considera as APPs e outros espaços territoriais especialmente protegidos como instrumentos de relevante interesse ambiental, integrados ao paradigma de desenvolvimento sustentável, objetivo das gerações presentes e futuras.

Essa breve introdução e contextualização com base no que a Drª Carmem nos trouxe mostra como foi e ainda é, complexo o caminho para que a preservação ambiental seja instituída em Leis. São muitos os interesses e discussões em torno dos debates, especialmente quando aliado às questões de habitação, como as regulamentações para loteamentos. O que não podemos perder de vista é que qualquer medida que possa vir a ser interpretada de forma que as APPs não sejam garantidas em sua totalidade, pode causar impactos negativos para a preservação ambiental.

Vamos entender o que especificamente a Drª Carmem nos diz sobre a Lei Municipal:

“Na minha interpretação, o Projeto de Lei nº 12/2024 propõe, dentre outras alterações, que o empreendedor possa ceder ao Poder Público áreas que seriam originalmente destinadas à preservação permanente, a exemplo de terrenos localizados às margens de cursos de água, como possíveis locais de instalação dos equipamentos de drenagem sustentável e biorretenção. Esse fato gera preocupação por causa da possibilidade de dispensa de obrigatoriedade de estabelecimento de APPs no entorno de reservatórios artificiais e a permissão de intervenção em nestas áreas protegidas para a instalação de equipamentos de interesse público. Estes dispositivos técnicos, de impacto socioambiental deveriam, idealmente, cumprir com os objetivos relacionados na Lei Complementar n° 207 de 30 de outubro de 2023, sendo: redução no pico de escoamento e redução na vazão máxima à jusante; redução na sobrecarga no sistema de drenagem convencional existente; redução de enchentes, alagamentos e prejuízos financeiros advindos e sub bacias hidrográficas do Município, córregos e nos Rios Paraibuna e Peixe; redução na poluição das águas pluviais transportadas para os rios; melhora no paisagismo da cidade e aumento da autoestima e qualidade de vida da população atingida; melhora na recarga hidráulica dos aquíferos e nascentes dos cursos de águas; redução nos custos de manutenção e recuperação dos sistemas de drenagem e ampliação de área permeável.

Dessa forma, perece estarmos diante de um contrassenso, ao permitir que APPs sejam utilizadas para a instalação de equipamentos de drenagem sustentável, ao invés de terem o seu status de preservação garantido, vindo a somar nestes espaços projetados. Os equipamentos de drenagem sustentável não deveriam se apropriar de áreas de preservação permanente, mas, sim, compor novas áreas que sejam agregadas a estas, evitando que sofram intervenções de toda a ordem como a retificação e canalização de cursos de água, supressão de vegetação nativa arbórea, alterações topográficas etc, sempre que possível”.

Ou seja, não há questionamentos quanto a necessidade de implementação de áreas de drenagens sustentáveis indicadas na referida lei, porém o fato de que essas áreas possam entrar em espaços de Áreas de Preservação Permanentes é sim, muito preocupante. Embora ambas as áreas sejam importantes para a gestão ambiental, suas funções, regulamentações e implementações diferem significativamente. As áreas de drenagem sustentável são projetadas para gerenciar águas pluviais em ambientes urbanos, enquanto as APPs são protegidas para conservar recursos naturais e ecossistemas sensíveis. Cada tipo de área tem um papel vital na promoção da sustentabilidade e na proteção ambiental. E, mais uma vez, colocar em risco o status de preservação das APPs é um risco. Uma abordagem mais viável deve envolver a busca de soluções que respeitem integralmente as restrições e diretrizes das APPs, buscando alternativas de sustentabilidade que não interfiram com essas áreas protegidas.

Uma sugestão da especialista Carmem é de que seja feito um levantamento das APPs municipais, assim como mapeamento das APPs que já sofreram ou sofrerão impactos devido à especulação imobiliária e interesses privados. Desse levantamento ser produzido uma representação gráfica intuitiva, ou seja, um mapa de acesso gratuito em veículos digitais.

Por fim, é importante estarmos atentos às Leis que tramitam na câmara municipal da nossa cidade. Entender os impactos que gerarão em nossas vidas. Em se tratando de loteamentos, especialmente os de baixa renda, qualquer alteração pode acarretar em prejuízos sociais ainda mais latentes. A visão socioambiental sobre o todo é de extrema importância.

i Agrônoma Ambientalista, Drª Carmem Lucas Vieira, responsável técnica e consultora na AgroGeaBio Produtos e Serviços Ambientais, sediada em Juiz de Fora/MG. Atualmente em estágio Pós-Doutoral no PPG em Biodiversidade e Conservação da Natureza - Fazenda Experimental da UFJF/NIASSA. Atua, voluntariamente na Rede Criativa de Juiz de Fora – RECRIAJF desde 2023.

Freepik/Divulgação - Para pesquisadora, não há questionamentos quanto a necessidade de implementação de áreas de drenagens sustentáveis indicadas na referida lei, porém o fato de que essas áreas possam entrar em espaços de Áreas de Preservação Permanentes é sim, muito preocupante.

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Flávia David

A transformação é socioambiental

Empreendedora Socioambiental. Presidenta e fundadora do Instituto EPROS. Atua há mais de 10 anos com consultorias socioambientais para o terceiro setor. Possui mestrado e doutorado em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisadora de Política e Meio Ambiente, se dedica às pesquisas relacionadas à implementação da Logística Reversa e o combate à Crise Climática, sempre com olhar intersetorial e interseccional para uma real mudança socioambiental.

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