Ok. As enchentes no bairro Santa Luzia, Zona Sul de Juiz de Fora, são um desafio para qualquer administração. Basta chover com mais intensidade para moradores e comerciantes vigiarem o céu e a terra. Para falar do problema crônico de inundações e estragos no bairro é preciso fazer uma viagem no tempo. Vamos voltar 70 anos na história do município.
Os cafezais se estendiam pelas encostas. Os arrozais eram férteis nas áreas próximas aos córregos. A água limpa era usada nas lavouras. As casas dos colonos apareciam cá e acolá. Respeitando sempre uma “regra da roça”, herdada dos mais antigos: nada se constrói nas áreas de vazantes, aqueles trechos próximos aos cursos de água que inundam nos períodos chuvosos.
Ao longo do tempo, a Fazenda Cachoeirinha foi passada de geração em geração. Até que, segundo informações da Paróquia de Santa Luzia, na década de 1940, o proprietário, José Mário Vilela, em sociedade com o cunhado dele, Sebastião Ladeira Procópio, entregou a administração da fazenda a Alcides José Machado. Em pouco tempo, a terra foi dividida e vendida.
Nas margens dos córregos, que antes eram preservadas intactas, foram surgindo construções. Inúmeras casas. Ruas. Comércio. Podemos dizer que foi um dos primeiros loteamentos de Juiz de Fora. A ocupação foi rápida e sem planejamento. Na foto acima é possível ver como as ruas de terra ficavam nos dias de chuva. Para atender às necessidades do número cada vez maior de habitantes, era preciso melhorar as condições do único acesso ao novo bairro que surgia.
Com o melhoramento feito, surgiu a primeira linha de ônibus, a Viação Diana, que pertencia ao prefeito Dilermando Cruz. A empresa foi vendida e passou a se chamar Auto Viação Santa Luzia. Os moradores começaram então a chamar a parte mais nova do bairro de Santa Luzia e a mais antiga permaneceu sendo chamada de Cachoeirinha.
Ao longo de sete décadas, aumentou o número de construções, de loteamentos, de ruas asfaltadas e ninguém mais lembra da “regra da roça”. As matas ciliares, que protegem os rios e córregos, e as áreas de vazante desapareceram. O solo foi impermeabilizado com o asfalto e não absorve mais a água da chuva como antigamente. Só que a enxurrada continua seguindo os traçados antigos, descendo pelas ladeiras em direção ao córrego do Ipiranga.
Enchentes x soluções paliativas
As inundações são frequentes e os prejuízos idem. Prefeitura e Câmara Municipal se unem historicamente há muitos anos para discutir o problema e buscar soluções. Muitos projetos foram colocados em prática, mas nenhum levou à tão esperada solução definitiva. Os moradores mais antigos defendem que a última grande obra em benefício da população de Santa Luzia foi feita quando Itamar Franco era prefeito, entre as décadas de 1960 e 1970.
Outra intervenção citada é do governo de Alberto Bejani (mandato de 2004 a 2009, com renúncia ao cargo em 2008), já no século XXI. Segundo Ari Raposo, presidente da Associação de Moradores de Santa Luzia, nesse período a canalização do córrego evoluiu alguns metros e foi aumentada a altura das paredes de proteção. Isso diminuiu por um tempo a gravidade das enchentes.
Mas, ainda não era o bastante. A construção civil apostou em novos loteamentos na Zona Sul da cidade. Áreas com vegetação foram transformadas em ruas asfaltadas e moradias. O problema dos alagamentos se agrava a cada novo empreendimento, aumentando na população o sentimento de revolta e as cobranças ao poder público por ter autorizado as obras. Por outro lado, empreendedores mostram os contratos firmados com a prefeitura e as contrapartidas oferecidas ao município pela indústria da construção.
Em busca de soluções definitivas
Pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora já abordaram a situação dos córregos de Santa Luzia e do Ipiranga em trabalhos de mestrado e doutorado. Análises técnicas apontaram os diversos fatores que ano após ano aumentam os problemas. Impermeabilização do solo, redução de áreas verdes e aumento da quantidade de água utilizada e do esgoto gerado pelos novos loteamentos são algumas das causas apontadas.
Algumas intervenções feitas no trajeto do córrego que cruza o bairro Santa Luiza também têm uma parcela de responsabilidade nas enchentes. Num dos trechos mais movimentados do bairro, o curso d’água forma um “joelho”, uma curva de quase 90o. A força e o volume de água aumentam muito durante os temporais e o córrego transborda nesse ponto, e em outros, onde a correnteza encontra barreiras que a impedem de seguir o curso natural.
Entre as soluções apontadas estão o aumento da calha do córrego e da altura das paredes, investimento em áreas verdes que possam absorver parte da água da chuva e obras estruturais. Parece simples, não é? Só que, na prática, é mais complicado. Depois de um temporal em 2021, a prefeitura anunciou obras emergenciais para reduzir o risco de enchentes em Santa Luzia. Foi feita limpeza nos córregos.
A esperança dos moradores de que a situação estivesse sob controle foi por água abaixo, literalmente, em 2022. Um ano depois das obras realizadas, o bairro voltou a sofrer com ruas, casas e lojas inundadas pelo transbordamento dos córregos. A cobrança ao poder público foi imediata. A prefeita Margarida Salomão esteve com alguns secretários nos locais atingidos, avaliando a situação.
Na última segunda-feira (09/01), depois de vários dias de chuva intensa e estragos pelo município, a prefeitura encaminhou à Câmara Municipal um Projeto de Lei de financiamento de grandes obras. O objetivo é obter um financiamento de R$ 420 milhões para ações de macrodrenagem em bairros com histórico de enchentes. O argumento da prefeita é que as mudanças climáticas estão alterando os padrões conhecidos, o que exige soluções diferentes.
A proposta é realizar obras de grande envergadura, como foi feito em relação ao rio Paraibuna, que teve o traçado dele alterado para evitar o alagamento da área central. Mas, quem espera que já no final deste ano não tenhamos mais inundações, provavelmente vai se decepcionar. Algumas obras estruturais costumam levar anos para serem concluídas. Enquanto isso, é preciso uma união de forças entre os poderes Legislativo e Executivo e a população para implementar estratégias que ajudem a reduzir os problemas herdados do crescimento desordenado.
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