SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Acho que a discriminação nunca terá fim, é uma característica do ser humano. O preconceito está na porta da minha casa só esperando eu botar o pé para fora e sair". A frase da atriz Gabriela Loran, 29, que vive Luana em "Cara e Coragem" (Globo), pode parecer forte, mas evidencia uma ferida ainda aberta no país que mais mata pessoas trans e travestis em todo o mundo.
"Já fui expulsa de banheiro, convocada para testes de séries, filmes e peças em que tinha que fingir ser algo que não era. Me mandavam fazer 'voz de trans'. Hoje, esse tipo de coisa acontece menos, mas ainda sofro com isso", comenta a atriz, que na novela das 19h, sua segunda no currículo, tem ganhado cada vez mais notoriedade como a amiga inseparável de Clarice (Taís Araújo).
A percepção diária de Gabi é corroborada por números e pesquisas. No ano de 2021, 140 pessoas trans brasileiras foram assassinadas, segundo levantamento realizado pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). A cada dez homicídios contra a população trans no mundo, quatro ocorreram no Brasil. Por isso que a eleição de Erika Hilton (PSOL-SP) e Duda Salabert (PDT-MG), as primeiras deputadas trans do Congresso Nacional, servem de alento para Gabi. "Representatividade é o que precisamos. Vejo agora um momento frutífero."
Natural de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, e com sete anos de carreira, Gabi é bastante atuante com relação ao assunto da diversidade e da ocupação LGBTQIA+ na mídia. Na visão dela, é importante que a TV dê espaço para pessoas trans, mas não apenas isso. "Só combateremos o preconceito sendo vistas como protagonistas. Bato o pé que a gente tenha personagens com carga dramática cujo foco não seja a identidade de gênero", opina.
Fã de atrizes como Juliana Paes, Gabi conta que tem como sonho receber das mãos de um autor de novelas uma personagem como Maria Marruá, de "Pantanal". "Queria um dia fazer uma cena tão maravilhosa quando a morte dela. Mas será que terei um papel com tanto poder dramatúrgico que não importasse se eu sou trans ou não? Apenas me vissem como uma atriz foda? Esse é meu anseio maior", avalia ela, formada em artes cênicas pela CAL (Casa das Artes de Laranjeiras).
Para que um dia isso aconteça, a artista avalia que as TVs terão de sentir menos medo. Para ela, falta coragem para a contratação de autoras, diretoras e roteiristas trans que possam escrever histórias mais verdadeiras e com vivência sobre o universo LGBTQIA+. "Esse medo cai em uma transfobia institucional. O cenário vem mudando, mas ainda falta. Eu quero ser protagonista e disputar um Oscar."
Gabriela Loran conta que começou a sua transição aos 23 anos e tudo era documentado em seu canal do YouTube. Porém, como ela mesma gosta de reforçar, apesar dos pedidos de ajuda de outras jovens que se viam confusas, "cada processo é individual". "Eu nunca estive no armário, só não sabia nomear o que eu era. O teatro foi um divisor de águas na minha vida e me ajudou a aflorar quem eu sempre fui".
A atriz, que foi a primeira trans da história a atuar em "Malhação" (2017), também estará na terceira temporada de "Arcanjo Renegado" (Globoplay).
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