PARATY, RJ (FOLHAPRESS) - A fotografia como instrumento de empatia, para conhecer o outro e se reconhecer nele, ganhou palco na última mesa da Flip 2022, nesta sexta-feira, por meio de uma homenagem à artista Claudia Andujar.
A celebração do trabalho da fotógrafa "mais brasileira das estrangeiras", como definiu o curador Pedro Meira Monteiro, marcou a estreia de uma nova categoria na festa literária chamada artista em destaque.
Andujar transformou a fotografia em um instrumento de luta política que resultou na homologação da terra indígena yanomami, na fronteira do Brasil com a Venezuela, e em atendimentos de saúde no território num tempo em que esses povos vinham sendo devastados por doenças trazidas por garimpeiros e trabalhadores da estrada Perimetral Norte, obra iniciada durante o projeto desenvolvimentista da ditadura militar para a Amazônia.
A mesa, intitulada "Livre e infinito", reuniu duas gerações de fotógrafas: Nair Benedicto, referência do fotojornalismo brasileiro, e a jovem artista paraense e educadora popular Nay Jinknss.
O encontro previa ainda a participação do xamã yanomami Davi Kopenawa, companheiro de ativismo da fotógrafa homenageada, mas foi infectado pela Covid-19 às vésperas do festival. Sem poder viajar a Paraty, no Rio de Janeiro, Kopenawa enviou um depoimento em vídeo sobre a relação de seu povo com a artista que levou a imagem dos yanomami para o mundo com forma de defender sua existência e sua cultura.
"Ela [Claudia Andujar] abriu um portão e um caminho para vocês, brancos, conhecerem o povo yanomami através da foto, da imagem, pensar em ajudar e a respeitar o nosso direito", disse o xamã.
Para o líder yanomami, coautor de "A Queda do Céu" (Companhia das Letras), a obra de Andujar atuou para "defender nosso direito, defender nossa terra, nossa floresta, meu povo, nossa língua, nosso costume, nosso lugar".
Em seguida, o mediador Thyago Nogueira, coordenador de fotografia contemporânea do Instituto Moreira Salles, saudou a curadoria por uma homenagem "importante e corajosa" porque trata do "reconhecimento de uma postura ética diante do mundo".
"Claudia Andujar é uma artista que transcendeu, e muito, a arte ao se juntar a uma luta maior e mudar, de fato, a história do país e dos povos indígenas", afirmou. "Num momento de recrudescimento dos ataques aos povos indígenas, é importante retomar um trabalho dedicado a documentar a vulnerabilidade do ser."
Nair Benedicto contou que conheceu Andujar no começo de sua carreira como fotógrafa. "Tive essa felicidade. E ela determinou uma série de coisas na minha vida", conta.
Andujar deu aulas de fotografia no Masp, das quais Benedicto tomou parte. "Foi assim que eu um dia tive coragem de mostrar uma foto pra ela", lembra. "E ela era direta, amável e carinhosa nos comentários."
Jinkss falou que aprendeu a ouvir o outro com trabalhos como o de Claudia Andujar. "Eu me inspiro em histórias como a da Claudia e da Nair, e de outras pessoas que chegaram antes de mim, para construir a fotografia coletivamente, com a escuta do outro, que se sente minimamente representado nesse processo", explicou.
A artista, nascida em Ananindeua, no Pará, avalia que a fotografia entrou no Brasil como uma ferramenta imperialista e criticou o trabalho do fotógrafo Sebastião Salgado e a sua declaração de que determinadas tribos isoladas representavam a pré-história da humanidade.
"A fotografia pode também marginalizar e reduzir pessoas, e esse tipo de discurso invisibiliza os indígenas que usam celular em seus territórios, que usam calça jeans. Nosso trabalho pode ser uma arma contra a imagem do outro", avalia.
Para ela, a fotografia precisa ser um meio de expressão do outro, e não torná-lo refém. "A fotografia pode ser vista como marco imperialista e estética racista daqueles com privilégios de poder. Precisamos ir na contramão de discursos classistas como o de Sebastião Salgado."
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