Victor Bitarello Victor Bitarello 9/01/2015

A amplitude e a força de "Um estranho no lago"

cinemaGrosso modo, no que diz respeito à sexualidade, é possível dizer que há duas divisões básicas: os heterossexuais e os homossexuais. Com enorme maioria heterossexual, o mundo vinha rejeitando os homossexuais pelos mais variados motivos. No entanto, atualmente, vem ocorrendo uma progressiva aceitação das pessoas que têm uma sexualidade diversa da maioria e, apesar de não ser uma aceitação total, é diferente do que foi há bem pouco tempo, e essa vem aumento em qualidade e quantidade. "Um estranho no lago" é uma obra que mostra alguns aspectos típicos do universo homossexual, que podem muito bem serem expandidos para o universo heterossexual, com as devidas adaptações, é claro. E, além disso, é um filmaço!

"Um estranho no lago" conta a história de Franck (Pierre Deladonchamps), um rapaz homossexual, que costuma ir a um lago durante o verão. Este lago é frequentado por outros homens que lá praticam o nudismo e usam o bosque que o ladeia como local para "pegação". Ao mesmo tempo em que Franck se aproxima do solitário lenhador e frequentador do local, Henri (Patrick d'assumçao), criando com ele uma grande amizade, ele se apaixona por Michel (Christophe Paou), o qual, porém, já está envolvido com outro rapaz. Após ficar sozinho durante a noite no local, Franck vê Michel afogar seu então "amante". Assustado com a situação, acaba não tomando nenhum tipo de atitude diante do fato. No entanto, em virtude da forte atração que sente por Michel, não resiste, e vive uma forte experiência sexual e afetiva com o mesmo, escondendo o que sabe sobre o ocorrido.

Diante deste texto, quem o ler vai pensar que estraguei a vontade de assistir o filme, pois parece que contei tudo. Mas não. Tudo isso acontece nos primeiros minutos do filme. A grande magia acontece após o início do envolvimento de Franck com Michel.

Aquilo que no filme é chamado de "pegação" (algo como um encontro às escondidas para relações sexuais em "público", ou relativamente expostas) é praticado no mundo gay assim como no hétero, porém de diferentes formas, já que gays são, por óbvio, pessoas de mesmo sexo. Os homens, regra geral, não têm os freios que as mulheres têm, haja vista, por exemplo, as convenções sociais. Se as mulheres não tivessem esses freios, com certeza aconteceria entre os héteros a mesma coisa.

A paixão vivida por Franck e Michel é algo bem típico das pessoas. Franck sabe sobre Michel e o que crime que ele cometeu, mas opta por fingir que não sabe, na medida em que prefere não perder a oportunidade da vivência da paixão (e também tem a clássica mania de pensar que com ele será diferente). Quantas pessoas a gente conhece que se relacionam com grandes canalhas e parecem até mesmo gostar de tal coisa? Existem explicações psicológicas para isso? Bom, não tenho conhecimento. Mas o filme, ao mesmo tempo em que te faz julgar mal o personagem, te lembra do quanto isso é comum.

Michel é aquela pessoa que, seja heterossexual, seja homossexual, se relaciona com outra, mas nos limites em que lhe interessa. Seja porque é casado e só quer alguém como amante. Seja porque não se assume gay e prefere manter essa condição. O fato é que existem pessoas assim aos montes. E o mais provável é que todos nós já tenhamos esbarrado com algum.

Durante o filme, um dos personagens demonstra não conseguir aceitar sua condição gay e opta pela morte. Infelizmente, muitas pessoas no mundo não se aceitam, pelos mais variados motivos, e recorrem a essa forma de escapar da situação.

É possível apontar outros aspectos deslumbrantes do roteiro do filme. Mas geraria mais texto para uma coluna que não se propõe a ser longa. Ficaria grande demais!
O final do filme é seu ápice! Incrível! Digno de comparação com José Saramago. Eu, ao menos, fiquei quase uma hora sem conseguir pensar em outra coisa. É um exemplo do que é a vida. Mostra a responsabilidade dos riscos que assumimos. O final é incrível. Caramba, o final é incrível!

O único alerta a ser feito sobre o filme é no que diz respeito às pessoas pudicas. O filme não é indicado para elas. As cenas de nudismo, de "pegação" e alguns dos diálogos sem dúvidas que os chocarão. Todos aqueles que assistem filmes sem a necessidade de ver, ali, a preservação daquilo que é chamado por muitos de "valores familiares" (fico sempre na dúvida de qual o critério para se saber o que é um "valor familiar"), não se incomodarão. Mas aqueles que não conseguem se verem livres da hipocrisia, estes não darão conta.
No que diz respeito a questões de ordem técnica, o filme é perfeito. Completamente perfeito. A direção é fabulosa. Você tem a todo o tempo as sensações vividas pelo protagonista. As distâncias estão no ponto. Os diálogos com Henri são corretos, com o tempo certo. O cenário não se altera. É somente o lago. Isso não atrapalha em absolutamente nada o filme, nem nos faz perder o interesse de assistir, nem nos faz ficar aborrecidos.

Pierre venceu uma premiação, o "César" de ator revelação. Não assisti aos trabalhos dos atores concorrentes, mas, não tenho dúvidas, bom o trabalho dele foi. O longa é dessas obras que geraria uma agradável conversa de barzinho. Tão agradável quanto assisti-lo.


Victor Bitarello é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Candido Mendes (UCAM). Ator amador há 15 anos e estudioso de cinema e teatro. Servidor público do Estado de Minas Gerais, também já tendo atuado como professor de inglês por um período de 8 meses na Associação Cultural Brasil Estados Unidos - ACBEU, em Juiz de Fora. Pós graduando em Direito Processual Civil.

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