SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A reforma tributária precisa considerar que não existe processo de transição da Zona Franca de Manaus para outra matriz econômica, e que acabar com o incentivo fiscal da região significa queimar a floresta.
Essa é a avaliação do governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), que trabalha junto ao governo e à Câmara para definir qual regra irá garantir a manutenção desse regime especial.
Em entrevista, o governador classifica como positivo o relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) com as diretrizes para a reforma tributária, que prevê um tratamento diferenciado para a região, embora não diga qual será o mecanismo para manter a competitividade do polo industrial de Manaus.
O relator diz que é necessário garantir os empreendimentos da região enquanto se avança na construção de um novo modelo que garanta emprego e a manutenção do patrimônio ambiental. O governador, no entanto, não vê possibilidade de construção de um novo modelo que substitua o sistema garantido pela Constituição para a região até 2073.
"Não existe esse processo de transição da Zona Franca de Manaus para uma outra matriz econômica. No dia em que anunciar que vamos fazer um processo de transição, o empresário entende que não vai ter mais condições de ficar aqui e começa a desmobilizar hoje mesmo", afirma.
"Não tem nenhuma fonte empregadora que substitua a Zona Franca de Manaus. Quem falar que tem ou está agindo de má-fé ou não conhece a realidade da Amazônia."
O governador afirma que os incentivos à região somam cerca de R$ 50 bilhões ao ano, mas que a manutenção da floresta representa um ganho de R$ 1,5 trilhão. "O que o Brasil investe na Zona Franca de Manaus para manter a floresta em pé é muito pouco."
No mesmo relatório em que calcula que a Floresta Amazônica brasileira, mantida em pé, gera anualmente um valor estimado de US$ 317 bilhões (R$ 1,5 trilhão), o Banco Mundial critica os benefícios concedidos à região.
A proposta do Amazonas entregue ao governo federal prevê isenção dos novos tributos sobre o consumo e geração de crédito para as empresas locais. Inclui ainda taxação de itens que representam a maior parte da produção local quando importados ou produzidos em outras regiões do Brasil.
Outra preocupação é com o fim da tributação no local da produção e a transferência da arrecadação para o município e estado de consumo do produto. O Amazonas defende um modelo híbrido para que parte do imposto cobrado no destino volte para os cofres do estado.
PERGUNTA - O relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro contemplou todas as demandas do Amazonas?
WILSON LIMA - O anúncio feito pelo deputado, estabelecendo uma atenção diferenciada para Zona Franca de Manaus, nos traz um acalento. A gente vive da questão da competitividade, de um incentivo fiscal que compensa a questão da logística. De outra forma, essas empresas não estariam aqui. O próximo passo é entender como efetivamente vai acontecer essa proteção.
Há uma decisão que precisa ser tomada com relação à cobrança. O Amazonas é um estado exportador. Cobrar o tributo apenas no destino faria com que a gente perdesse receita. A Zona Franca representa algo em torno de 45% da arrecadação. Mas há a possibilidade de fazer uma construção para que a gente encontre um caminho de compensação e também para garantir a competitividade das empresas que estão aqui.
O Amazonas vive uma situação diferenciada de outras regiões do Brasil. A Zona Franca de Manaus é um polo industrial, somos o segundo fabricante de ar-condicionado do mundo, mas a função principal dela é social e de proteção da floresta. Ela emprega 500 mil pessoas direta e indiretamente. Se tiver qualquer reforma tributária que enfraqueça a Zona Franca de Manaus, eu vou ter pressão sobre a floresta. Acabar com a Zona Franca de Manaus é começar a destruir a floresta, é queimar a floresta.
Essas garantias já precisam estar na PEC (proposta de emenda à Constituição) que deve ser votada em julho ou podem ser definidas depois por lei complementar?
W. L . - Não pode simplesmente dizer que vai criar um fundo agora e depois vê como é que resolve, depois estabelece os critérios. Isso acaba com a Zona Franca de Manaus. O empresário trabalha com perspectiva.
A garantia dos benefícios da Zona Franca de Manaus já está no texto da Constituição. Agora, quando se garantiu isso lá atrás, nós tínhamos um sistema tributário, que é o que prevalece até hoje. A partir da aprovação da reforma tributária, vamos ter outro sistema, que não terá mais as condicionantes que garantem a competitividade para as empresas do Polo Industrial de Manaus.
Por exemplo, quando acaba a figura do IPI, que é um tributo zerado aqui no Amazonas, elas acabam perdendo competitividade em relação às empresas que estão em outras regiões do Brasil. Toda vez que se baixa um tributo desses, você iguala para todo mundo, quem está aqui no estado fica em desvantagem.
Eu preciso ter as condicionantes necessárias que garantam a permanência dessas empresas. Estou falando sobretudo de empregos. Ninguém está mais interessado em proteger a floresta do que nós. Mas o Brasil não pode, sob o discurso de proteção da floresta, deixar a nossa população de joelhos, transformar a nossa população em pedintes.
Se acabar com a Zona Franca de Manaus, isso daqui é terra arrasada. Eu não tenho nenhum outro caminho, nenhuma outra fonte empregadora que tenha a capacidade de, a curto e médio prazo, abarcar essa quantidade de trabalhadores. É por isso que tem que ser um tratamento diferenciado.
Não há nenhuma perspectiva de migração para outro modelo econômico?
W. L . - Não existe esse processo de transição da Zona Franca de Manaus para uma outra matriz econômica. No dia em que anunciar que vamos fazer um processo de transição, o empresário entende que não vai ter mais condições de ficar aqui e começa a desmobilizar hoje mesmo.
Não há nenhuma atividade hoje que substitua a Zona Franca e não existe nenhum modelo mais eficiente de proteção da floresta. O agronegócio, lá no Centro-Oeste, ele acontece por conta do regime de chuvas e dos rios voadores aqui da Amazônia. O clima em São Paulo é mantido como ele está por conta dos rios voadores aqui da Amazônia. Nós distribuímos a água que sai aqui do Amazonas através dos rios voadores. O que evita que o cidadão vá para a floresta são os empregos que ele tem aqui. Eu tenho 1,5 milhão de quilômetros quadrados, a maior extensão de floresta contínua do planeta, e temos 97% preservados.
Mas o senhor entende que é possível conciliar a manutenção da Zona Franca com a reforma tributária?
W. L . - Exatamente. Mas essas condicionantes precisam estar muito claras. Não é só dizer que o modelo está garantido. Como é que isso vai acontecer? Qual a explicação que eu vou dar aqui para o empresário que está no polo industrial e quer saber como é que vai ficar a questão do IPI, como é que vão ficar as compensações, geração de crédito e outras renúncias que eram feitas? A gente precisa ter essas condicionantes. Se não tiver, antes de aprovar a reforma tributária ele já começa a demitir.
Depois que o deputado Aguinaldo anunciou as diretrizes da reforma tributária, eu tive uma conversa com ele. Conversei também com o ministro Fernando Haddad [Fazenda], com essa preocupação de colocar para conversar as equipes técnicas do Amazonas e do governo federal, para que a gente possa dirimir essas questões e garantir a proteção da Zona Franca de Manaus.
Existe uma avaliação de que o benefício fiscal para a região seria ineficiente.
W. L . - Não tem nenhuma fonte empregadora que substitua a Zona Franca de Manaus. Quem falar que tem ou está agindo de má-fé ou não conhece a realidade da Amazônia.
A Zona Franca tem uma função econômica, isso é inegável, mas a função social e ambiental dela é muito maior. Anualmente são R$ 49 bilhões de incentivos, algo em torno disso. O Banco Mundial fez um estudo dizendo que a floresta em pé vale algo em torno de R$ 1,5 trilhão. O que o Brasil investe na Zona Franca para manter a floresta em pé é muito pouco.
Qual é a importância da floresta para o Brasil? Tem muita gente, Brasil e mundo afora, falando sobre o Amazonas, falando sobre a Zona Franca de Manaus, sem nunca ter pisado aqui. Sem nunca ter entendido o que é a realidade e o que de fato acontece aqui.
Na hora em que essas pessoas estiverem desempregadas, elas vão partir para atividades como exploração de madeira e de minérios, porque a gente não tem outra fonte empregadora. A gente vai viver de quê no Amazonas se a Zona Franca de Manaus acabar? Qual a saída? Esse é o grande questionamento.
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