RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O projeto de lei dos "combustíveis do futuro", lançado há duas semanas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), prevê incentivos ao desenvolvimento de novas tecnologias para abastecer o setor de transporte com menores emissões de gases poluentes.

Diferentemente do processo de eletrificação que ocorre em países desenvolvidos, o projeto do governo prefere priorizar combustíveis líquidos produzidos a partir de matérias-primas vegetais ou animais e os combustíveis feitos a partir do hidrogênio.

Na lista, há os já amplamente difundidos etanol e biodiesel e novidades ainda em estágio inicial de viabilização, como bioquerosene de aviação e gasolina e diesel sintéticos.

O bioquerosene de aviação, conhecido como SAF (sigla em inglês para combustível sustentável de aviação) já é usado no mundo, embora ainda em pequena escala. Segundo a AIE (Agência Internacional de Energia), o produto representava menos de 0,1% da demanda do setor em julho.

Seu desenvolvimento é visto como prioritário, já que o setor aéreo é responsável por 2% das emissões de CO2 na atmosfera e avanços na eficiência das aeronaves serão insuficientes para compensar o aumento da demanda por voos.

"Combustíveis de aviação sustentáveis são cruciais para descarbonizar o setor aéreo", diz a agência, alertando, porém, de que todos os projetos de produção em curso atualmente garantiriam apenas 1% a 2% da demanda em 2027.

O bioquerosene é feito com matéria-prima vegetal ou animal, como o biodiesel misturado ao diesel de petróleo. Por isso, há um temor que a corrida pelo combustível provoque competição com a produção de alimentos, o que levou a Inglaterra, por exemplo, a excluir de suas políticas o uso de SAF feito com grãos.

O projeto de lei apresentado por Lula quer incentivar o uso do SAF criando um cronograma de redução gradual das emissões por companhias aéreas: em 2027, a meta é reduzir emissões em 1%; em 2037, chega a 10%.

No transporte terrestre, o projeto tem como medidas mais avançadas o aumento para até 30% da mistura de etanol na gasolina e a antecipação das metas de mistura de biodiesel ao diesel. Mas prevê também o incentivo ao uso dos chamados combustíveis sintéticos.

Eles são produzidos a partir de uma reação química entre hidrogênio e gás carbônico, produzindo metanol, que pode ser convertido em gasolina ou diesel. O processo retira gás carbônico da atmosfera, compensando a emissão da queima dos combustíveis nos motores.

Por ser um combustível líquido, tem ainda a vantagem de utilizar a infraestrutura atual de distribuição e revenda de combustíveis, sem a necessidade de instalação de novos pontos de carregamento, como no processo de eletrificação da frota.

Não demanda também renovação da frota de veículos como a eletrificação, já que pode ser usado nos motores a combustão atuais.

Por outro lado, requer elevados volumes de energia para a reação química que separa o hidrogênio da água, a eletrólise. Isso pode ser uma vantagem para o Brasil, que tem uma matriz elétrica predominantemente renovável, com hidrelétricas e grande potencial eólico e solar.

Atualmente, diz a AIE, a maior parte da produção global de hidrogênio é baseada em combustíveis fósseis e voltada ao consumo industrial. Em 2022, o mundo produziu 95 milhões de toneladas de hidrogênio, cerca de 70% usando gás natural e cerca de 30% usando carvão como fonte de energia.

Menos de 1% é produzido com tecnologias de baixas emissões. A AIE diz que, para cumprir a meta de zerar emissões até 2030, é necessário um crescimento de 50% na produção, com foco na eletrólise e no uso de combustíveis fósseis com captura de carbono, responsável por apenas 0,5% da produção atual.

A AIE vê como fundamental o desenvolvimento dos combustíveis sintéticos para descarbonizar o transporte em longas distâncias, mas o caminho para viabilizar a tecnologia ainda é longo, devido ao elevado custo e a gargalos na fabricação de equipamentos.

Em 2022, cerca de 2,5% da demanda de combustíveis líquidos no mundo foi atendida com produtos de baixa emissão, mas apenas biocombustíveis. Para atingir o cenário de emissões zero em 2030, esse percentual tem que subir para 8%.

A AIE estima que, desse total, apenas 8% serão combustíveis sintéticos --o restante será composto por biocombustíveis tradicionais. Em junho, diz a agência, cerca de 80 países tinham políticas para incentivar biocombustíveis; seis haviam lançado programas para combustíveis sintéticos.

No Brasil, o projeto de lei lançado por Lula não impõe metas de uso desse tipo de combustível. Apenas propõe um marco regulatório e define que a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) será responsável por regulamentar e fiscalizar a produção.


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