Fulano não tem educação
A frase poderia ter sido dita numa conversa rotineira, talvez no ponto de ônibus. Poderia, também, ser a fala de um personagem de novela. Poderia até mesmo ser o diagnóstico de um professor sobre um certo aluno. Não importa muito. A realidade é que a fala sobre fulano não ter educação é bastante comum, e aparece nas mais diversas situações. Mas o que significa isso, e o que essa fala representa? A pergunta permite pensar um pouco sobre o que está em jogo quando se fala da educação, e perceber que ela não é um fenômeno único, e nem mesmo simples.
Geralmente, quando se diz que fulano não tem educação, aí fica registrado um julgamento sobre o comportamento desta pessoa, avaliado a partir do que é tomado como o comportamento correto, um comportamento "educado". Maria disse que Antônio não tem educação porque ele não largou o celular durante o almoço. Já Alberto disse que Luiza não tem educação pois ela não permite que os outros falem. São exemplos desta forma de usar a frase "fulano não tem educação".
Caso se considere "educação" como um "determinado comportamento correto", então não se guiar por este comportamento pode ser entendido como um déficit na educação. Se a pessoa se afasta completamente deste comportamento, então ela é, nestes termos, "sem educação". Por outro lado, caso se entenda "educação" de forma mais ampla, como "formação", isto é, como a construção social de comportamentos, aí então estes "comportamentos corretos" serão vistos como elementos integrantes do processo educacional. Em outras palavras: os comportamentos, sejam eles corretos ou não, são ensinados/aprendidos. Então, "fulano não ter educação" significa, na verdade, que ele aprendeu comportamentos diferentes do padrão entendido como "correto". Por conseguinte, este "fulano" não é desprovido de educação, mas foi educado de forma diversa, aprendendo outros tipos de comportamento.
As consequências desta mudança de entendimento são as seguintes: em primeiro lugar, torna-se possível enxergar a frase "fulano não tem educação" como um julgamento a partir de um padrão comportamental que não é compartilhado entre o que fala a frase e o que é "julgado" nela. Em segundo lugar, fica evidente que existem diferentes modos de "educação", porque a ela é, entre outras coisas, um processo de formação do comportamento. Por fim, o que é mais fundamental: se existem educações (no plural), e se entre as pessoas é comum aparecer o diagnóstico "fulano não tem educação", que quer dizer (agora está claro) que "fulano não se comporta como eu acho que deveria se comportar", então é preciso que se pense: que tipo de educação eu tenho? Que tipo de educação ele(a) tem? Por que há essa diferença? Qual tipo de educação, isto é, que tipo de formação deve ser esperada, desejada? Isto permite pensar, agora de forma bem ampla e compromissada, sobre a educação.
Fulano não tem educação? Tem sim. Uma educação diferente da minha. Por que isso? O que isso representa? Em que nos diferenciamos? Se a educação é algo amplo e que envolve a todos, então é bom usar essa oportunidade para refletir sobre ela. Por que existem educações?
Ivan Bilheiro é professor de Filosofia e Sociologia. Licenciado em História pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF), bacharel e licenciado em Filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), instituição na qual cursa o Mestrado em Ciência da Religião. É, também, especialista em Filosofia pela Universidade Gama Filho (UGF) e em Ciência da Religião pela UFJF.
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