O canto do cisne
Sou, em todos os sentidos, um homem velho - daqueles que, como diria Caetano, j? deixaram "vida e morte para tr?s". Nessa condi??o adquiri algumas manias que os jovens nunca h?o de entender. A principal delas ? adorar arquibancada de est?dio. N?o troco, em hip?tese alguma, um jogo ao vivo (digamos... reservas do Tupi contra sele??o B de Galil?ia) por uma partida transmitida pela televis?o (Brasil e Argentina, final da Copa do Mundo, que seja).
Somente no est?dio, al?m de participar efetivamente do jogo, ? poss?vel olhar para o bandeirinha antes de comemorar um gol, perceber o ?rbitro antes de vibrar com a marca??o de um poss?vel p?nalti e antecipar a substitui??o que ser? feita no seu time - basta observar a intensidade do aquecimento dos reservas e a solicita??o do t?cnico para as instru?es finais. No est?dio n?o ? preciso replay e muito menos, no dia seguinte, ver os melhores lances no programa esportivo.
Somente no est?dio o torcedor ? participante da hist?ria. O que eu n?o daria, por exemplo, para estar na arquibancada do Est?dio Heriberto Hulse, em Crici?ma, Santa Catarina, a terra do carv?o, na ?ltima quarta-feira, dia 23 de abril do ano da Gra?a de 2008? L? alguns privilegiados viram e v?o contar para filhos, netos e bisnetos - se a linha da vida permitir - que assistiram, ao vivo, ao canto do cisne de um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos.
Daria meu reino e meus pertences valiosos (na verdade, apenas uma cole??o de selos) para estar ali, na curva, ? direita das cabines de r?dio, no espa?o reservado ? torcida vasca?na. Foi dali que a bola foi cruzada e encontrou na grande ?rea o craque. Edmundo, ent?o, cercado por dois zagueiros, dominou a pelota no peito e poderia ter chutado a gol, mas isso ? coisa para jogadores comuns.
Edmundo nunca foi um jogador comum e carregou a bola para o mais perto poss?vel da meta e, quando percebeu boa dist?ncia, parou-a de tal forma que o advers?rio que a perseguia foi ao ch?o. Ent?o, com a pelota est?tica no gramado, sem mover um gomo, aquele que o mundo inteiro um dia chamou de "animal" teve ainda o desplante de esperar um segundo, curtir o destino cruel do goleiro, prestes a ser derrotado, e o desespero de dois zagueiros que, ca?dos, esticavam chuteiras, canelas, pernas e m?os (!!!) a tentar evitar o inevit?vel. O chute saiu seco, colocado, com for?a o suficiente apenas para bater, e n?o estufar, na rede.
Cerca de dez minutos antes desse que foi um dos maiores gols da hist?ria, Edmundo j? havia deixado no ch?o dois zagueiros, mas chutou para fora a bola que parecia ter o destino certo. No intervalo da partida, cercado por todos os jornalistas do Estado de Santa Catarina, o "animal" definiu os dois momentos: "Os dois lances foram normais". Sinal de que aos 37 anos ? poss?vel se sentir velho, como quem j? houvesse feito o bastante para deixar "vida e morte para tr?s".
Come?aram, no ?ltimo final de semana, as decis?es dos campeonatos estaduais. O Palmeiras foi burocr?tico contra a Ponte Preta, o Flamengo deu sorte contra o Botafogo e o Juventude usou a persist?ncia para bater o Inter.
Tudo, no entanto, anos-luz do que aconteceu por aqui, em Minas, no nosso torneio. O Cruzeiro tratou o rival como um time sem camisa, desses que se enfrenta em treino. Jogou bola como quem passeia no parque, aos domingos, e fez gols com a tranq?ilidade de quem come pipoca no cinema. Est? provado: aquela goleada do Galo sobre a Raposa, em 2007, nesta mesma altura do campeonato foi um acidente. Agora o Cruzeiro colocou as coisas em seu devido lugar com o espetacular 5 a 0. Cobriu de azul a hist?ria. Um grande alento nesses dias em que a mediocridade desgra?adamente campeia.
Ailton Alves ? jornalista e cronista esportivo
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