MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) - Nos últimos meses, os alvos foram a fachada do Senado e a fonte da praça de Espanha, em Roma, a estátua do rei Vittorio Emanuele 2º, em frente ao Duomo de Milão, e uma parede externa do Palazzo Vecchio, em Florença. Antes, já tinham sido museus do Vaticano, além de bloqueios contra o fluxo de carros e de jatinhos particulares.
Os protestos do grupo Ultima Generazione (última geração), que reivindica o fim do financiamento público a combustíveis fósseis, ganharam intensidade na Itália e entraram na mira do governo.
O método dos ativistas inclui sujar monumentos com tinta lavável, colar as mãos em obras de arte ou no chão de ruas e jogar água com carvão em fontes, supostamente sem causar danos permanentes.
Exceção é o monumento em Milão, onde, mais de um mês depois, a tinta amarela ainda não pode ser removida com água, e a prefeitura terá que fazer uma operação especial de restauro.
Embora as ações contra museus e monumentos tenham grande repercussão, aquelas que mais irritam a população são as que interrompem o fluxo de carros, causando trânsito.
No último dia 11, após reunião da primeira-ministra Giorgia Meloni com seu gabinete, foi anunciado um projeto de lei que prevê multas mais rigorosas, entre EUR 10 mil e 60 mil (R$ 56 mil e R$ 336 mil), para quem destrói, mancha ou desfigura, total ou parcialmente, bens culturais e paisagísticos.
As medidas se juntam a sanções já presentes no código penal para esse tipo de crime, que hoje chegam a cinco anos de prisão e multa de EUR 15 mil (R$ 84 mil). "Quem danifica nosso patrimônio artístico não pode e não deve se safar", disse Meloni nas redes sociais.
As novas multas poderão ser aplicadas logo após cada ato, com base em denúncias de funcionários públicos, independentemente do desfecho de futuros processos judiciais. "Os ataques produzem danos econômicos. A limpeza exige a intervenção de pessoal especializado e maquinário custoso", disse, em nota, o ministro da Cultura, Gennaro Sangiuliano. Segundo ele, que se refere aos ativistas como "ecovândalos", para limpar a fachada do Senado, foram gastos EUR 40 mil.
Além do projeto de lei, que precisa ser aprovado pelo Parlamento, onde o governo tem maioria, partidos da base de apoio preparam legislação contra os ativistas, com textos adaptados aos atos recentes.
No Senado italiano, a Liga propõe a inclusão de "estruturas de proteção", como caixas transparentes que envolvem obras de arte, na descrição de crimes contra bens culturais. Outra iniciativa, do Irmãos da Itália, pede prisão de até três anos para quem desfigura ou mancha edifícios públicos e proíbe pessoas acusadas de vandalismo de se aproximarem de monumentos por até um ano.
A oposição acusa o governo de estar exagerando. "Em vez de enfrentar os grandes temas do país, do trabalho ao clima, o governo decide introduzir novos crimes ou endurecer penas, apenas para levar adiante sua propaganda", disse a deputada Eleonora Evi, da Aliança Verde e Esquerda. "Esses danos [a bens culturais] já são puníveis. Devemos fazer o oposto de exacerbar penalidades: ouvir e abrir diálogo."
Críticos consideram que a resposta do governo segue a abordagem linha dura adotada também contra as ONGs que prestam socorro a migrantes no mar Mediterrâneo e com o decreto anti-rave, que abria brechas para a punição de protestos políticos -este acabou reescrito e abrandado na tramitação no Parlamento.
Em operação há pouco mais de um ano na Itália, o grupo Ultima Generazione, que tem como mote a "desobediência civil não violenta", faz parte da rede internacional A22, que reúne uma dezena de movimentos ativistas pelo clima, como o homônimo alemão Letzte Generation e o britânico Just Stop Oil (apenas pare com o petróleo). O grupo é mantido por um fundo internacional que concentra doações.
Além da Itália, o governo do Reino Unido também apresentou, no ano passado, projeto de lei para novos crimes relacionados à ordem pública, com foco nas táticas dos ativistas climáticos. O texto está em tramitação no Parlamento. Em outubro, ativistas jogaram sopa de tomate no vidro que protege a tela Girassóis, de Van Vogh.
Para Sandro Mora, porta-voz do Ultima Generazione, o endurecimento já era esperado. Diversos ativistas foram denunciados pelos atos na Itália, e quatro processos estão em andamento. "Passamos a fase de sermos ignorados, ridicularizados e estamos na fase de repressão. Em seguida, vem a fase de escuta
das nossas demandas, que são as mesmas da comunidade científica", disse à Folha de S.Paulo.
Segundo o ativista, os protestos na Itália vão continuar, apesar do endurecimento das leis, até que o governo sinalize a interrupção de investimentos em combustíveis fósseis. Entre os países do G20, a Itália é o sexto -o primeiro na Europa- em que mais ocorre financiamento público a combustíveis fósseis, em vez de energia de fontes renováveis.
Na cidade alemã de Hannover, o prefeito fechou um acordo com o Letzte Generation, em fevereiro, e obteve a suspensão dos protestos em que os ativistas se colavam no chão de ruas, enfurecendo motoristas. Ele anunciou apoio a demandas do movimento, como a diminuição das tarifas do sistema público de transporte.
"Naturalmente as novas medidas nos preocupam, mas não a ponto de desistir. Sempre mais pessoas se dão conta da gravidade da crise climática, que hoje se traduz em seca e falta de água na torneira, como já ocorre em partes da Itália. Isso nos assusta mais do que as multas", afirma Mora.
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