Inflação, deflação e desinflação
Ultimamente só se tem falado no aumento do preço do tomate. Mas será que esse aumento é realmente preocupante ou há outros alimentos mais importantes na mesa do brasileiro que realmente merecem mais manchetes do que o tomate? E, de fato, será que esses aumentos de preços do tomate causam inflação?
De acordo com os manuais de economia, inflação corresponde ao aumento contínuo e generalizado do nível de preços na economia. Se considerarmos análises mensais (dado os hábitos de pagamentos brasileiros serem por mês), os preços têm que subir por três ou quatros meses seguidos e de modo generalizado, ou seja, vários produtos e não somente um provoca inflação (a não ser se tiver a relevância do petróleo, cujos aumentos explosivos de preços, em 1973 e 1979, provocaram dois choques de oferta adversos e contaminaram os demais preços da economia). E tem mais, vale ressaltar que os índices de inflação são médias aritméticas ponderadas. Por exemplo, se um determinado índice apresentou uma variação positiva de 0,5% no mês de abril, significa que os produtos que fazem parte do mesmo subiram, em média, 0,5% de preço em relação ao período comparado (isso quer dizer que alguns produtos subiram 0,5%, mais ou menos e alguns podem até ter caído de preço). Essa explicação é interessante, pois muitos desconfiam do índice ao constatarem que alguns preços sempre sobem a mais do que o índice. Agora, uma questão que pode ser estudada melhor é: qual o critério para escolha dos produtos que irão compor um determinado índice e como os pesos aos mesmos são atribuídos. Será que o IBGE e FGV conseguem me explicar?
O contrário de inflação é deflação e, com isso, alguns meios de comunicação precisam estar atentos, pois um processo assim somente é caracterizado quando os preços caem de modo contínuo e generalizado. Há alguns anos, um amigo comentou que assistiu a um noticiário no qual o repórter aspontara que a inflação estava em queda. Quando esse meu amigo foi ao supermercado verificou que os preços estavam mais altos e aí ele ficou em dúvida se havia ou não coerência entre a notícia da TV e o fato constatado no estabelecimento comercial. Eu o esclareci que os fatos eram coerentes: uma queda na inflação não quer dizer que os preços caíram e sim que eles subiram menos: isso se chama desinflação, que é um tipo de inflação inercial decrescente.
Inflação inercial é quando a própria inflação tende a manter o seu ritmo, que pode ser decrescente (desinflação), constante ou crescente. E essa última é a que de fato preocupou a economia brasileira na segunda metade dos anos 80 e na primeira metade dos anos 90, quando os Planos Cruzado, Bresser, Verão e Brasil Novo (este último mais conhecido como Plano Collor) congelavam os preços da economia para combater esse tipo de inflação, mas os sucessivos aumentos na demanda agregada não eram acompanhados pela oferta doméstica (e naquela época a economia brasileira era fechada), o que provocava uma inflação de demanda. Esse último tipo de inflação é caracterizado quando há um excesso na demanda agregada (de mercado). O Plano Real, favorecido por uma economia aberta e por instrumentos como a âncora cambial (controle da inflação com taxa de câmbio apreciada) e a âncora monetária (controle da inflação com taxa de juros alta) obteve um êxito em manter a inflação sob controle. Com exceção do período 2007/2008, não tivemos inflação de demanda; bem como o mecanismo autoalimentável inercial diário da inflação morreu em 1994 (mas devemos lembrar que a inércia inflacionária não desapareceu de todo, devido a algumas indexações anuais, que ainda precisam ser quebradas pelo governo). O que realmente tem-se observado sobre inflação, ao longo desses 19 anos de Plano Real, é a inflação de custos, que é causada por aumentos de preços de insumos e matérias-primas essenciais ao funcionamento da economia, como por exemplo: energia elétrica, combustíveis, gás de cozinha, passagens de ônibus, que por sinal estão nas mãos de setores mono ou oligopolizados e são produtos inelásticos-preço da demanda, ou seja, estão em setores onde há pouca ou nenhuma concorrência e os consumidores têm pouca ou nenhuma possibilidade de redução do consumo ou substituição dos mesmos quando seus preços aumentam. E ainda lembro que a elevada carga tributária também contribui para tornar os preços mais caros.
Atualmente, muito mais preocupante que o tomate (cujos aumentos de preços são temporários e daqui a pouco o preço médio de mercado voltará, ou seja, a velha e conhecida Lei da Oferta e da Demanda far-se-á presente, pois ela é infalível), são os preços do feijão, do arroz, do óleo de soja, da carne, entre outros que fazem parte do "prato de comida" do brasileiro e quando os preços sobem, as classes mais pobres são as mais prejudicadas pelo fato de possuírem uma maior propensão a consumir da renda disponível (renda total menos tributos diretos, como IPVA, IPTU e Imposto de Renda), ou seja, gastam a maior parte da sua renda disponível com alimentos. E quanto mais pobre, maior é a propensão a consumir produtos de necessidades básicas, como alimentos. E esses aumentos nos preços dos alimentos ampliam o imposto inflacionário dessa classe. Imposto inflacionário é a perda do poder de compra da moeda para a inflação.
O mercado já se pronunciou a favor de aumentar a taxa SELIC para combater esse tipo de inflação. Em geral, a âncora monetária auxilia no combate à inflação de demanda, mas será que juros mais altos vão combater inflação de demanda por alimentos? E será que, de fato, temos uma inflação de demanda ou uma inflação de oferta, ou seja, causada por uma queda na oferta de gêneros alimentícios? E aí eu comungo da ideia de Benjamin Steinbruch (presidente da CSN), que apresenta, em um belíssimo artigo publicado recentemente na Folha de São Paulo, como a melhor sugestão para combater a inflação, um aumento na oferta agregada, pois as âncoras monetária e cambial auxiliam no curto prazo, mas provocam desemprego e desindustrialização, respectivamente. Só que para aumentar a oferta agregada de modo sustentável são necessários investimentos e a classe empresarial somente vai investir mais se ela estiver mais confiante no futuro. E ainda lembro que investimento faz parte da demanda e que somente vai servir para ampliar a capacidade de oferta no médio e longo prazo. Isso mostra que combater inflação não é tão simples.
Enquanto isso, aconselho a diminuírem a demanda por tomate (pois ele não é essencial) e combater qualquer tipo de desperdício (ressalto que detesto desperdício sempre, mas num processo de aumento de preço, o combate ao mesmo é fundamental). Dedico esse artigo aos(às) meus(minhas) queridos(as) alunos(as) de Economia, especificamente no ramo da Macroeconomia, disciplina que possibilita a discussão dos temas supracitados em nossas aulas.
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Fernando Antônio Agra Santos é Economista pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Doutor em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e professor universitário das faculdades Universo, Estácio de Sá, Vianna Júnior e da Fundação Educacional Machado Sobrinho, todas as instituições em Juiz de Fora - MG. O autor ministra palestras, para empresas, na área de Educação Financeira, Gestão de pessoas, Relacionamento Interpessoal, Marketing Pessoal e Gestão do Tempo. Saiba mais clicando aqui
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